O CIMENTO E A NEUTRALIDADE CARBÓNICA
Sendo uma das atividades mais poluentes, a indústria cimenteira é um dos setores que enfrenta maiores desafios para atingir a neutralidade carbónica, o grande desígnio da União Europeia.
Tive a honra de ser convidado para a recente comemoração do centenário da fábrica de cimento Maceira-Liz, uma das unidades que integra o Grupo Secil. Confesso que desconhecia a história e dimensão desta unidade industrial que ainda hoje impressiona pela visão e investimento feito em áreas técnicas e de cariz social que visaram a fixação de trabalhadores em Gândara, onde foi construída face à proximidade de pedreiras de margas e calcários. A par, face ao isolamento, também foram asseguradas respostas para tudo o que eram necessidades e problemas quotidianos.
Vem isto a propósito da importância da indústria do cimento em Portugal, e também da indústria siderúrgica, que permitiu o crescimento que o país registou nas obras públicas e nos investimentos privados, nomeadamente na área da habitação, sobretudo desde a segunda metade do século passado, e hoje continua a gerar riqueza, impostos e a garantir emprego.
O consumo do cimento
O cimento é o segundo material mais consumido no mundo, a seguir à água, que não é um material, mas sim uma dádiva vital, e misturado com inertes, de granulometria variável, permite fazer argamassas e betão. O betão é a única rocha artificial, inventada pelo homem, que permitiu o crescimento da civilização e da qualidade de vida, sendo o consumo do cimento um dos indicadores de desenvolvimento dos países.
É um material ímpar, moldável, estrutural e sustentável, um sorvedor de carbono indispensável para o ambiente construído, e quando conjugado com o aço em varão (betão armado), permite criar peças capazes de vencer vãos e suportar esforços inimagináveis.
Por isso, o cimento é, até ver, um produto insubstituível, e não se vislumbra qualquer outro alternativo nas quantidades colossais de que o mundo ainda carece, face ao insucesso de todas as metas globais estabelecidas para dar resposta às condições de pobreza e necessidades básicas, nomeadamente as da Agenda 2030.
A fileira da indústria da construção civil é uma das atividades mais consumptivas, pois utiliza recursos naturais sem ter em atenção o seu carácter finito, o que é difícil de inverter, mas que ultimamente tende a ser corrigido na UE.
Desde logo, sendo uma das atividades mais poluentes, a indústria cimenteira é um dos setores que enfrenta maiores desafios para atingir a neutralidade carbónica, o grande desígnio da União Europeia, pois tem grandes necessidades de energia e de materiais oriundos de atividades extrativas.
Por isso, em matéria de políticas ambientais europeias e nacionais, que não discuto pois entendo que são sempre cautelares, virtuosas e viradas para o futuro, acho que o problema não reside nos seus objetivos ou nas metas, mas sim nos prazos que são impostos para o seu cumprimento. Percebo que as políticas ficariam comprometidas se os prazos não fossem exigentes, mas se os prazos não forem cumpridos, as políticas também ficarão desacreditadas.
Rumo à descarbonização
A impossibilidade de o cimento poder vir a ser substituído a curto prazo por qualquer outro material e o facto de o bem-estar mundial e da qualidade de vida dependerem dele obriga-nos a reconhecer que teremos de continuar a conviver com esta evidência, embora procurando soluções adaptativas, pois se outras motivações não existissem é a própria sobrevivência da indústria cimenteira que está em causa. Por isso, as cimenteiras a nível local e no espaço europeu iniciaram um caminho que lhes permita dar resposta aos objetivos do Pacto Ecológico Europeu, agora (re)focado pelo Novo Bauhaus Europeu e pelo pacote Fit for 55.
A produção do cimento apresenta um potencial limitado de redução de emissões de CO2, dado que cerca de 70% das suas emissões se encontram relacionadas com o processo de produção de clínquer por meios convencionais, o que tem pouca margem de redução, pelo que deve ser avaliado através de um “balanço” entre os impactes e os ganhos efetivos em termos ambientais e sociais.
Nesse sentido, já foi assumida a necessidade irreversível de proceder a adaptações e transformações, apoiadas na investigação científica, no desenvolvimento e na inovação sustentável, com vista à descarbonização progressiva e possível.
A indústria nacional já está a cumprir o compromisso assumido no “Roteiro da Indústria Cimenteira para a Neutralidade Carbónica em 2050”, que foi recentemente complementado com o lançamento do “Manifesto do Cimento e do Betão para a Construção Sustentável e para as Cidades do Futuro – Novo Bauhaus Europeu”, que contém propostas de políticas públicas que, no essencial, vão ao encontro das decisões comunitárias.
É um caminho que já se iniciou há muito tempo, através da evidência científica de que o betão captura CO2 ao longo da sua vida, que, aliás, não é nada curta, com a utilização circular de subprodutos na fabricação para melhorar as qualidades do cimento (caso das escórias e cinzas, etc.); com a acrescida importância da incorporação de resíduos, o que evita a sua deposição em aterro; com os investimentos feitos no processo produtivo, que permitem a substituição de combustíveis fósseis por combustíveis alternativos; com a valorização da energia calorífica dos resíduos, que impacta na redução da quantidade de resíduos depositados em aterro; com o desenvolvimento avançado da produção do “cimento verde”, que permitirá a produção de betões de baixo carbono para soluções construtivas mais ecológicas, e com o desenvolvimento de soluções de captura e armazenamento de CO2 e de processos que visam aumentar a eficiência dos fornos, ou seja a eficiência energética da atividade, com recurso a energias renováveis.
O cimento e o betão de baixo carbono são, por isso, essenciais para a construção sustentável e para as soluções do futuro. Sendo certo que não podemos ignorar que o passado da atividade não nos deixa as melhores memórias e que ainda existirão problemas por solucionar ou mitigar, muitas respostas foram encontradas e muitos problemas foram resolvidos ou estão em vias de o ser.