CARLOS MINEIRO AIRES

CHEIAS E INUNDAÇÕES – O final do ano foi marcado por chuvas intensas e inesperadas, sobretudo depois de uma seca severa, que se estenderam por todo o país e por Espanha. Como consequência, voltámos a assistir a afluências de caudais inusitados, fazendo avivar memórias do que era habitual no inverno.

As alterações climáticas não chegam para justificar tudo o que aconteceu, e que persiste na entrada do novo ano, com particular violência na cidade do Porto. Todavia, há que distinguir cheias e inundações urbanas.

As primeiras, cuja frequência tem vindo a diminuir por razões a que as alterações climáticas não serão alheias, mas também devido às obras hidráulicas que têm sido construídas, sempre ocorreram nos grandes rios nacionais, cujas bacias hidrográficas são maioritariamente partilhadas com Espanha, constituem eventos que inundam povoações ribeirinhas e com as quais as populações se habituaram a conviver, mas que também alagam terrenos onde depositam sedimentos, que os fertilizam e aportam riqueza para as produções agrícolas, numa dádiva secular.

A artificialização das bacias hidrográficas, materializada com a construção de centenas de barragens e de obras de regularização fluvial, permite, até certo ponto, controlar os caudais, embora crie uma falsa sensação de segurança, pois existe um limite onde o rio deixa de poder ser domado e vem reclamar o que lhe pertence. Esta realidade, que nem sempre é facilmente prececionável, está na base da procura de culpados sempre que estes eventos ocorrem.
O crescimento e a economia dos países não podem passar sem barragens, que muitos procuram diabolizar, pois permitem armazenar água e assegurar regularizações interanulais para abastecimento público, para irrigação e para a indústria, entre outros usos, controlar caudais e produzir energia limpa, já que a solução hídrica constitui o único backup instantâneo e fiável, a base do diagrama da produção, dado que as soluções eólica e solar, pela sua intermitência e impossibilidade tecnológica de armazenamento em larga escala, não asseguram essa garantia. Restam-nos, pois, para além da importação, a água e as centrais a gás natural como verdadeiras reservas energéticas, já que as centrais a carvão e nucleares não existem em Portugal.

AS INUNDAÇÕES URBANAS

As inundações em zonas urbanas, embora tenham as mesmas causas, ou seja, elevadas precipitações, têm de merecer uma abordagem diferente. Repetem-se espaçadamente, havendo no caso da Região de Lisboa inúmeros registos de episódios com dimensão trágica, onde avulta o caso das cheias de 1967 que terão causado cerca de 700 mortes e a destruição de cerca 20 mil casas, se é que mereciam tal designação, o que o regime de então procurou “abafar”, já́ que os casebres cresceram nas margens e em zonas de elevado risco que a incúria disponibilizou aos mais pobres. Existem outras desgraças anunciadas, que também encaramos com passividade, caso das ocupações de terrenos em encostas inclinadas, propícias a escorregamentos de terras, que arrastarão as habitações que aí foram construídas.

Na verdade, só nos podemos queixar de nós próprios e temos de reconhecer que a principal causa tem a ver com os erros cometidos no ordenamento do território, que progressivamente têm conduzido à indevida ocupação e impermeabilização dos solos e à ocupação dos leitos de cheia, pelo que a retórica da atribuição de todos os males às alterações climáticas é uma escapatória desmontável.

O escoamento de uma bacia hidrográfica é condicionado por muitos fatores, como a sua forma, orografia, local e concentração da precipitação, tempos de retenção, etc., sendo que uma chuvada idêntica, ou mesmo maior, pode não ter os mesmos efeitos.

As bacias hidrográficas das principais ribeiras urbanas de Lisboa, tal como nos concelhos limítrofes, têm dimensões consideráveis, configurações e condições de escoamento propícias a poderem originar cheias rápidas (flash floods), que são potenciadas pela acrescida impermeabilização dos solos.

A par, porque se tornaram incómodas, a maior parte delas foram “entubadas” com diâmetros aceitáveis à época da sua construção, mas que hoje, pelas razões expostas, são incapazes de comportar os caudais afluentes que procuram caminho através das ruas, alagando casas, caves e estacionamentos e serviços públicos subterrâneos. Os esgotos pluviais implantados nos arruamentos, em redes antigas e com diâmetros atualmente desajustados, também não conseguem escoar as águas, mas temos de ter noção da dimensão dos investimentos que seriam necessários para solucionar estas fragilidades.

ZONAS DE RISCO

Há muito que as zonas de risco estão mapeadas e constam dos PDM, tendo sido elaboradas “Cartas de Inundações e de Risco em Cenários de Alterações Climáticas”, com a intervenção do mais competente conhecimento técnico e cientifico. A engenharia vai procurando encontrar soluções, mas sempre ciente da limitação das mesmas, pois a panaceia para todos os males conduziria a custos insuportáveis face aos benefícios esperados.

É o caso do Plano Geral de Drenagem de Lisboa (PGDL), uma obra notável em inicio, que “prepara a cidade para os eventos extremos provocados pelas alterações climáticas” e “reduz significativamente as inundações e cheias e os consequentes custos sociais e económicos”, entre outros benefícios ambientais.

Prevê o reforço e reabilitação da rede de saneamento existente, a construção de bacias de retenção e de dois grandes túneis de drenagem para transvase de bacias e descargas no Tejo, o que, no seu conjunto, aliviará as afluências às redes pluviais e otimizará a drenagem controlada das águas. Daí resulta, e cito, pois deve ser interiorizado pelos cidadãos, que o PGDL “reduzirá significativamente as inundações e cheias”, mas nunca as evitará totalmente, como, e muito bem, foi deixado claro.

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