BICICLETAS, TROTRINETES E TRETAS – O número de acidentes tem atingido números preocupantes, que felizmente não são proporcionais ao crescimento do número de utilizadores de duas rodas, mas causam vítimas. Como continuo a utilizar a bicicleta e sou adepto das evoluções sustentáveis, mas coerentes, sinto-me, pois, legitimado para fazer algumas considerações sobre os problemas e conflitos que têm surgido.
Recordo-me do dia em que, como recompensa por ter terminado a instrução primária, recebi uma bicicleta Raleigh,uma marca robusta bastante vulgarizada em África. Foi assim que me iniciei nas duas rodas, hoje designada por mobilidade suave, um meio de transporte que sempre apreciei desde que os percursos não incluíssem grandes subidas. Mais tarde, ainda estudante, a minha irmã teve a gentileza, nunca esquecida, de me oferecer uma motorizada de 50cc, que pela independência que me trouxe transformou a minha vida.
Com ela ganhei a paixão pelas duas rodas, que nunca parou e foi crescendo à medida das minhas posses e teve o seu auge quando já trabalhava e consegui comprar a mítica Honda CB750 Four, uma fabulosa máquina japonesa com um motor de 4 cilindros em linha, um binário impressionante e com um design intemporal. Recentemente, resolvi desfazer-me da minha última moto, uma BMW, por achar que já tenho idade para ter juízo e pouco tempo para reparar as mazelas de uma eventual queda.
Pelo vício, optei pelas bicicletas elétricas, tendo comprado uma de raiz e mandado adaptar uma outra que já possuía, sendo que há muitos anos que sou sócio da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta e, segundo sei, fui pioneiro ao autorizar o transporte de bicicletas nas carruagens do Metropolitano.
ALGUMAS REFLEXÕES – Vem tudo isto a propósito de algumas reflexões que gostaria de partilhar com os leitores que, depois desta introdução, certamente acreditarão que nada tenho contra o uso da bicicleta, enquanto parte integrante da mobilidade suave ou meio de transporte.
Para poder utilizar a primeira bicicleta, apesar de muito jovem, tive de obter a respetiva licença, com exame de códigoe uma voltinha ao largo, que repeti nos sucessivos municípios onde vivi.
Para a motorizada também obtive uma licença de condução de velocípede com motor auxiliar até ao limite de 50 cc, sendo submetido a mais um exame de código e demonstração de saber conduzir.
A par das licenças de condução, as bicicletas e as motorizadas tinham de ostentar uma chapa identificativa do seu registo e documentos do proprietário, sendo a verificação efetuada amiúde pela PSP ou pela GNR, já que as regras e as leis eram objetivas.
Conhecedor do Código, dos sinais de trânsito e das prioridades de circulação, mais tarde apercebi-me da importância do uso de capacete e luvas, que em caso de queda ou acidente muito mitigam as consequências e que nunca largo. Como continuo a utilizar a bicicleta e sou adepto das evoluções sustentáveis, mas coerentes, sinto-me, pois, legitimado para fazer algumas considerações sobre os problemas e conflitos que têm surgido.
CONVIVÊNCIA ALGO CAÓTICA – No entanto uma parte da intenção ficou esgotada quando a ANSR reconheceu que “a convivência algo caótica entre automóveis, bicicletas e trotinetes partilhadas a que se assiste nos grandes centros urbanos é responsável pelo consequente aumento de acidentes”. O número de acidentes tem atingido números preocupantes, que felizmente não são proporcionais ao crescimento do número de utilizadores de duas rodas, mas que causam vítimas mortais, o que muito lamentamos.
Para sermos rigorosos, vamos separar os casos das bicicletas, cujos condutores, salvo exceções, têm por norma um comportamento mais cívico e atento, dos casos das trotinetes onde grassa o caos e a falta de civismo e respeito pelos outros e por quaisquer normas de circulação, dentro e fora das ciclovias, onde é vulgar o perigosíssimo uso de headphones durante a circulação.
CASO DAS BICICLETAS – Segundo a ANSR, os acidentes envolvendo ciclistas provocaram 23 mortos em 2021 (mais 130% do que em 2020), 138 feridos graves (mais 16%) e 2511 feridos ligeiros (mais 19,7%). A tentação imediata é a de diabolizar o automóvel, que certamente não é alheio a alguns dos acidentes, sobretudo pordesatenção ou excesso de velocidade, para ir ao encontro daqueles que procuram correr com os carros das cidades.
Todavia permito-me questionar se uma parte significativa destes acidentes também não se deve ao comportamento negligente de alguns ciclistas que ignoram as mais elementares regras de circulação, desconhecem o Código da Estrada e fazem manobras impensadas e súbitas sem cuidarem de ajuizar as potenciais consequências, que não usam capacete ou outras formas de proteção, para não falar do traçado de algumas ciclovias que já deviam ter sido interditadas.
CASO DAS TROTINETES – Quanto às trotinetes, o caso muda de figura, sendo nítido que as autoridades fecham os olhos à bagunça instalada.
Assim, sem dados para 2022, não é de estranhar que, de acordo com a PSP, a “condução negligente das trotinetas elétricas em Portugal tem causado uma média superior a 12 acidentes por mês desde 2019, com um total registado pela PSP em todo o país de 445 sinistros nos últimos três anos (de 2019 a 2021), onde “uma larga maioria dos acidentes desta tipologia são causados por algum tipo de negligência, em que o excesso de velocidade para as condições objetivas de circulação contribui para causar e ou agravar o acidente”.
As trotinetes circulam por todo o lado, chegando a transportar 3 pessoas, sem que os condutores respeitem peões e quaisquer regras. Provocam atropelamentos, são abandonadas em qualquer local, incluindo nos passeios, pondo em risco cidadãos, idosos e sobretudo os invisuais, num pandemónio em crescendo onde não existe legislação severa para a sua utilização e, pior, fiscalização ativa e permanente que siga, no caso de Lisboa, o exemplo da incansável EMEL na busca das infrações, já que, suponho que as licenças para os concessionários, que não se podem eximir à responsabilidade, também serão municipais.
As ciclovias onde a deseducação e desatenção também imperam e onde os peões passeiam tranquilamente agarrados ao telemóvel e alheios ao que se passa à sua volta, também não são um paraíso de segurança. Podem ser sinais dos tempos, mas são maus.