FUTURO INCERTO – Saudades de um abraço. Há dias uma das minhas filhas enviou-me um meme que, em inglês, dizia algo como, “era maravilhosamente selvagem como costumávamos comer bolo depois de alguém ter soprado para cima dele”. Referia-se obviamente a um gesto tão banal como o festejo de um aniversário, ao que acrescento, e nós ainda batíamos palmas e dávamos abraços. São muitas as situações que faziam parte do nosso quotidiano recente e que, a par de tantas outras, nos fazem sentir quão difícil tem sido o confinamento. Para aqueles que consomem ininterruptamente programas de televisão, porque a imprensa escrita, que já estava em declínio, deixou de fazer parte dos nossos hábitos, tudo se torna mais difícil, pois são literalmente bombardeados com a repetição ao longo do dia das mesmas notícias, muitas delas com carácter alarmista e, por vezes, pouco informativas e nada esclarecedoras. A par, as redes sociais estão inundadas de fake news e de posts intencionalmente direcionados para claros objetivos políticos e não só, sendo verdadeiramente lamentável o nível a que alguns dos seus autores descem. Num país em que a natalidade está a níveis preocupantes e em que os grupos etários mais avançados são dominantes, são estes os que estão mais expostos a esta desinformação, o que que lhes causa ainda maior sensação de angústia e de pânico. Determinadas questões, muitas vezes levadas a limites inaceitáveis, como é caso real da necessidade de os médicos serem forçados a decidir quem irá morrer, por escassez de meios tecnológicos disponíveis, caso do recurso a ventiladores que são em número reduzido nos países mais populosos, mais pobres ou que não dispõem de um SNS, vêm recordar expressões que enfermam do pior que o ser humano tem, como foi o caso da “peste grisalha” em voga na crise do subprime, quando estes cidadãos foram tratados como centros de custos, esquecendo-se a longa carreira contributiva da maior parte deles que, por isso, têm direito a exigir uma contrapartida digna.
Efeitos colaterais – Por outro lado, os portugueses e os emigrantes que perderam os seus empregos ou que se encontram em situações lay-off, sem fim à vista, acordam todos os dias com um nó na garganta. A par, questões xenófobas e racistas também polvilham os noticiários, como se houvesse necessidade de irmos tão longe. Nenhum país estava preparado para um acontecimento desta natureza, para um vírus letal e silencioso com tão assustadores e incontroláveis efeitos. A pandemia veio pôr a nu muitas situações em que o Estado não é o único conivente, como é o caso dos lares para idosos e dos limitados meios de que dispõem, havendo, como já era sabido, uma grande parte que opera clandestinamente, sem quaisquer condições para albergar e cuidar dos seus utentes e, agora, para poderem salvaguardar as medidas de distanciamento social para que as imposições sanitárias apontam. Temos de reconhecer que Portugal, apesar das notáveis evoluções que tem feito nas últimas décadas na melhoria dos cuidados geriátricos, desde logo com uma forte aposta nos centros de dia que ajudam a que o tempo demore menos tempo a passar, está longe de poder dar uma resposta condigna às necessidades da nossa população envelhecida. Neste vazio, o mercado funciona, porque o clandestino oferece soluções a preços mais baratos do que o legal que, mesmo com outro conforto, também é sempre doloroso.
Novas dinâmicas – As famílias deixaram de poder conviver, os amigos de se reencontrarem e em cada um de nós instalou-se um olhar de desconfiança sobre os que nos rodeiam. Limitamos as saídas de casa ao essencial, os mais informados procuram rodear-se de todas as cautelas e o nosso quotidiano foi fortemente alterado. Viajar, ir ao cinema, ao teatro, a um concerto, ou seja, tudo o que está fora do retângulo da TV ou do computador, deixou de fazer parte do nosso dia a dia. Curiosamente, eu próprio, que vivia intensamente todas as jornadas futebolísticas acompanhando o desempenho da minha equipa de sempre, questiono-me se o futebol faz efetivamente falta. Destaco o teletrabalho, até aqui uma questão pouco querida, discutível e difícil de aceitar por uma grande parte dos empregadores, que agora permite que as empresas continuem a funcionar sem necessidade de presença física de muitos milhares de trabalhadores e com vantagens inquestionáveis para a mobilidade e para o ambiente. À exceção das tarefas que exigem presença humana, foi fácil concluir que a maior parte pode ser executada remotamente, obrigando, no limite, apenas a deslocações pontuais ao posto de trabalho, nem que seja pela oportunidade de rever colegas e partilhar confidências profissionais e pessoais que não são telecomunicáveis.
Mais unidos e solidários – Curiosamente, este apartar das pessoas veio fomentar ainda mais as amizades dos que estão juntos e as saudades dos que estão distantes. Todos fizeram das tripas coração para serem autossuficientes e para contribuírem para o esforço conjunto, independentemente do local onde trabalham, e sentem-se mais unidos e solidários perante a necessidade de contribuírem para a sobrevivência comum. Um pouco por todo o mundo, e Portugal não foi exceção, os cidadãos, mesmo confinados, sentiram a necessidade de fazerem agradecimentos coletivos, a todos os que exauridos ainda nos salvam vidas e a todos os que ajudam os países a continuarem o seu percurso. Salientamos o exemplo do engenho e arte e do papel que engenheiros e empresas estão a desempenhar e que num ápice tornaram Portugal exportador dos dispositivos médicos de que estávamos carentes. Não há nada a fazer, porque as pessoas são assim mesmo. Também não tenhamos ilusões, pois os próximos tempos não vão ser fáceis. Os impactes económicos e sociais, embora se saiba que a sua dimensão já é catastrófica, ainda não têm um fim à vista, porque a possibilidade de uma inesperada inversão das tendências mais otimistas é uma realidade, sobretudo num mundo globalizado onde ainda continuam a circular milhões de pessoas e mercadorias, potencialmente transmissoras da maleita.
Por isso, não consigo antever quando chegará a altura do reencontro e de poder dizer a alguém: “Dá-me cá um abraço!”