DESAFIOS DA DESCARBONIZAÇÃO DA ECONOMIA. Passado mais de ano e meio em conjuntura de crise sanitária decorrente da pandemia Covid-19, vivemos um período marcado por uma nova abordagem económica e social a nível global, em que somos confrontados com visões e reflexões que nos deixam múltiplas sensações. As questões comportamentais, económicas, sociais impactam o nosso dia a dia de forma muito marcante: assistimos a posições de negacionismo da ciência, escoradas em princípios de legalidade ou de direitos e somos convidados a colocar em causa medidas de bom senso e de responsabilidade cívica. Uns recusam tomar a vacina porque esperam maiores certezas científicas e outros desejam a vacina e não têm acesso. Assistimos a uma sobrevalorização de pequenos problemas e a uma discreta valorização dos casos de sucesso, mas ainda não temos um quadro de referência claro que nos faça estar mais confiantes com o futuro, e perdemos a bússola face a outros graves problemas que a sociedade enfrenta e para os quais nunca haverá vacina, apenas mudanças de comportamento e alterações dos paradigmas que marcaram a nossa vida coletiva no período pós Revolução Industrial. Em Portugal, basta revisitar as notícias e a agenda política que marcou um período que está à distância de meia dúzia de anos atrás, para se constatar que os que defendiam a ditadura do deficit aparecem hoje a defender convictamente o endividamento dos Estados e os apoios públicos à economia. Os que defendiam de forma muito convicta a redução dos serviços públicos, a redução do número de funcionários públicos, tornaram-se defensores acérrimos da necessidade de contratação de mais médicos e enfermeiros para o Serviço Nacional de Saúde, maior oferta de transporte público, da necessidade de contratar mais professores e pessoal auxiliar nas escolas, reclamam mais meios humanos para a justiça ou o reforço de meios humanos nas forças de segurança e de proteção civil… A velocidade mediática mata a capacidade de análise e reflexão, a velocidade de difusão de informação e desinformação intoxica e dificulta um adequado quadro de pensamento, os interesses individuais do momento sobrepõem-se aos valores coletivos e sobretudo não acautelam a sustentabilidade das gerações futuras.
Clima de esperança na economia. A ciência promoveu um trabalho que importa destacar para desenvolver vacinas e por essa via criou a esperança do regresso a um ambiente global de normalidade. Em Portugal e na Europa temos um programa de vacinação que segue uma trajetória de sucesso, mas assistimos a fortes limitações em importantes regiões do mundo, sobretudo nos países pobres. Com um clima de esperança na economia, podemos constatar as decisões de injeção de fundos para apoio social e ao investimento um pouco por todo o mundo, com realce para os Estados Unidos da América e União Europeia, que vão criar condições para desenvolver projetos alinhados com objetivos globais em matéria de ambiente. Esta é uma oportunidade de reforma e um momento para ultrapassar as limitações de um modelo linear da economia baseado nos baixos custos de matérias-primas virgens e em externalidades ambientais. Assistimos agora e de novo à emergência de reflexões em torno das alterações climáticas. Esse foi o foco das prioridades identificadas na cimeira do G20 com o regresso dos Estados Unidos da América ao compromisso do Acordo de Paris e, com a descarbonização da economia, a fazer um caminho sem retorno. Na reta final da Presidência portuguesa da União Europeia foi aprovada a Lei Europeia do Clima e está em processo legislativo no parlamento nacional um conjunto de propostas para uma lei-quadro do Clima. As alterações climáticas ganham de novo a atenção dos media e assumem relevância na nossa vida coletiva quando nos chegam notícias das consequências de temperaturas próximas dos 50 graus centígrados registadas no Canadá e na Califórnia e quando no polo sul se observam quase 18 graus centígrados. Como podemos ler no ensaio da Fundação Francisco Manuel dos Santos – Alterações Climáticas – da autoria do nosso maior especialista na matéria, o professor catedrático jubilado Filipe Duarte Santos: “(…) para garantir a sustentabilidade da civilização humana, é necessário cumprir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, incluindo a descarbonização da economia mundial”. A dicotomia entre desafios ambientais e a economia teve a sua história, aparecendo historicamente o ambiente como uma política pública que coloca dificuldades à economia e ao crescimento. Felizmente, os últimos anos têm permitido uma abordagem que valoriza a economia verde, procurando harmonizar as reflexões e criando novas áreas económicas. Têm sido encontrados equilíbrios entre economia e ambiente e essa será a abordagem de sucesso. As energias renováveis, a indústria automóvel, o mercado habitacional, a eficiência energética, são casos concretos de mudança de paradigma, a que se junta uma abordagem na gestão de matérias-primas, suportada numa Economia Circular que vai trazer novas formas de abordar o design dos produtos, novos materiais, diferentes modelos de consumo, comportamentos facilitadores da reciclagem, mais inovação.
Respeito pelos valores ambientais. O crescimento foi e ainda é um argumento usado por alguns para derrogar as decisões que determinam maior respeito pelos valores ambientais. Achamos que o PIB tem de crescer, para com a riqueza criada se fazer a redistribuição e por essa via aumentar níveis de bem-estar, mas o que se observa é a concentração da riqueza à escala global, não estando demonstrado que as políticas públicas promovam a justa redistribuição dos resultados do crescimento. A concorrência das economias baseadas em externalidades ambientais negativas não assegura sustentabilidade e por isso importa repensar um modelo que vai dando mostras de esgotamento. A economia centrada na energia obtida a partir do carvão e do petróleo parece ter os dias contados mas, sim, claro que ainda vamos ter de usar combustíveis fósseis, mas temos de alterar a intensidade do seu uso. O compromisso de neutralidade carbónica até 2050 é um desafio mas não devemos esperar por 2049 para o fazer, não existe forma de fazer alteração disruptiva dessa relevância sem um ritmo determinado na próxima década. Liderar ou estar no grupo de vanguarda pode parecer um risco num determinado momento mas constitui uma oportunidade, sobretudo quando temos o acesso a recursos financeiros a fundo perdido da União Europeia através do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência.
Alteração de paradigmas. Os portugueses sabem que estamos a suportar custos de eletricidade e um preço dos combustíveis acima da média europeia, mas também sabemos que temos um dos melhores mix de produção de energia e que já produzimos uma percentagem significativa de energia a partir de fontes renováveis. Os recentes leilões para produção de energia solar apontam para uma trajetória interessante no futuro. O apoio à aquisição de frota automóvel elétrica foi inicialmente mal recebido, mas tem sido um sucesso. E se verificarmos as opções dos maiores produtores de veículos, parece que já não restam dúvidas de um caminho para os veículos elétricos e a hidrogénio num futuro muito próximo. Mais de 85% dos portugueses consideram que o futuro próximo dos veículos estará nos veículos elétricos. Nesta fase complexa de alteração de paradigmas importa aprofundar os novos problemas sociais que nos trouxe a pandemia Covid-19 e os desafios ambientais que as alterações climáticas nos colocam, e por isso parece muito inspirador e claro o que encontramos no capítulo – Uma Ecologia Integral, da Encíclica “Laudato Si”, do Papa Francisco: “Quando falamos de ambiente referimo-nos também a uma relação específica: a da natureza e da sociedade que a habita. Isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da nossa vida. Estamos nela incluídos, fazemos parte dela e estamos imbuídos nela…Não existem duas crises distintas, uma ambiental e uma outra social, mas antes, uma única e complexa crise socioambiental”.