CARLOS MARTINS

UMAS PALAVRAS SOBRE O FRIO DESTE JANEIRO Portugal ficou a conhecer na primeira quinzena de janeiro alguns dados preocupantes. Por um lado as notícias do agravamento da pandemia COVID-19, com implicações futuras de grande complexidade ao nível económico e social, em larga medida consequência de comportamentos desajustados ao risco e às recomendações das autoridades, por uma parte dos cidadãos; mas ficou também a conhecer que uns dias consecutivos de frio abaixo da média se traduzem em problemas de qualidade de vida para muitos portugueses. 

Existem situações que devem merecer reflexão, pois pese embora Portugal tenha vindo a ser considerado um país particularmente bem-sucedido no que respeita à produção de energia a partir de energias renováveis, verificamos que o preço da energia contribui para colocar muitos portugueses em pobreza energética. Essa situação já determinou o anúncio, pelo Governo, de apoio ao consumo de eletricidade para um vasto conjunto de consumidores, com perfil de consumo ou situação de rendimento, mais fragilizados face aos custos energéticos para ultrapassar a vaga de frio. Efetivamente, Portugal apresenta um mix energético muito consequente com os desafios da sustentabilidade, alinhado com os compromissos assumidos em matéria de redução de emissões de gases com efeito de estufa, tendo superado a ambição e as metas do Protocolo de Quioto e integrando os países europeus com melhor desempenho no que respeita a metas para 2030 no contexto do Acordo de Paris. 

O contributo da energia renovávelNo passado ano de 2020 a produção de energia renovável respondeu por cerca de 60% do total da energia produzida: 25% de energia hídrica, mesmo num ano com baixa pluviosidade, cerca de 25% de energia eólica, 7% de biomassa e um pouco menos de 3% de energia solar. Importa realçar um paradoxo relevante, Portugal apresenta no panorama europeu um enorme potencial para a produção de energia solar térmica e fotovoltaica, dado o seu clima, as horas de insolação média, mas apresenta um dos valores mais baixos em termos de metros quadrados de painéis solares instalados. Por outro lado, ocorreu uma política pública consistente de apoio às energias renováveis, sobretudo na eólica e solar, as quais no seu conjunto passaram de 19% para 30% no consumo final bruto de energia, com ganhos ambientais significativos na emissão de GEE e na emissão de partículas e consequente qualidade do ar.  Também nestas matérias é importante mudar comportamentos, desde logo porque existe margem para ganhos de eficiência no uso da energia, que dependem de cada um de nós, das empresas e das instituições públicas e privadas. Uma parte significativa das emissões tinham origem na própria produção de energia, área onde estamos a assistir a alterações radicais, com a principal operadora do mercado a desmantelar uma das principais centrais a carvão do país e a investir em produção solar. Na tomada de posse, o novo presidente da edp, Miguel Stilwell d’Andrade, anunciou a atenção que vai ser dada pela empresa a oportunidades no solar e no hidrogénio verde. 

Frio em casaFicamos então a saber que Portugal é um dos países da União Europeia em que maior percentagem de cidadãos estão expostos ao frio em casa. São cerca de 2 milhões, 20% da população nacional. O aquecimento das habitações é um indicador para caracterizar o bem-estar das famílias e no nosso país apenas 13,3% das habitações dispõe de equipamentos de aquecimento central. A situação de desconforto térmico em casa é grave e tem na sua génese um conjunto de fatores cumulativos face aos nossos parceiros europeus. Portugal recorre à utilização de aquecedores elétricos e gera consequentemente faturas energéticas altas, o que contribui para um uso muito comedido e pontual destes equipamentos. Tivemos um modelo de desenvolvimento urbanístico muito assimétrico com o despovoamento das povoações rurais do interior e um crescimento pouco planeado das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. A partir dos anos 1960, essa situação conduziu a uma política de habitação baseada na iniciativa privada, na autoconstrução e em construção em bairros clandestinos, mais tarde designados de génese ilegal. Assistimos entre 1970 e 1990 a um forte aumento do número de habitações, com taxas de crescimento mais altas que noutros países europeus, à ausência de boas práticas de construção e com deficiente enquadramento legislativo, pois o Regulamento Térmico das habitações foi aprovado em 1990. A grande maioria do nosso parque habitacional foi construída sem adoção de normas relativas a conforto térmico e por isso o desempenho energético da maioria dos edifícios do país é fraco. Os edifícios de habitação com certificados emitidos depois de 2014 evidenciam menos de 25% com classificação de A+, A e B. 

Efeitos na saúdeA ausência de conforto térmico nas habitações gera efeitos na saúde com aumento do risco de mortalidade, com agravamento de doenças preexistentes, afetando também a saúde mental. Portugal criou tarifas sociais para a eletricidade e para o gás natural que visavam apoiar os consumidores mais vulneráveis. A partir de janeiro de 2021, estas tarifas deverão permitir um desconto sobre o valor da energia consumida e o Fundo Ambiental do Ministério do Ambiente e Ação Climática criou um PROGRAMA DE APOIO A EDIFÍCIOS MAIS SUSTENTÁVEIS, que apoia intervenções de particulares na melhoria das condições térmicas dos edifícios: janelas, isolamentos, painéis solares, o que ilustra uma boa medida de política pública para ultrapassar estes desafios e dar passos para a neutralidade carbónica em 2050. 

Importa pois tirar partido dos instrumentos colocados à disposição e preparar melhor o futuro, criando as condições para lidar melhor com as vagas de frio, que por motivo das alterações climáticas, podem ocorrer de forma mais frequente. 

 

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