CARLOS MARTINS

TRANSIÇÂO ENERGÉTICA E DESAFIOS DA MOBILIDADE ELÉTRICA

A cada dia, chegam-nos imagens que vão dando evidências dos efeitos das alterações climáticas, bem como estudos que reforçam os nexus de causalidade entre as emissões de gases com efeito de estufa, o aumento de temperatura global e alterações aceleradas na intensidade e frequência de fenómenos climáticos extremos.

As imagens que nos chegam do Rio Grande do Sul, no Brasil, que repetem com maior gravidade as do ano passado, permitem refletir os riscos e custos humanos e materiais que os fenómenos extremos meteorológicos potenciam e antecipam.

A produção de energia, a mobilidade e o setor da construção civil constituem fontes de emissões de gases com efeito de estufa muito relevantes no mundo e naturalmente no nosso país. Os compromissos assumidos pela comunidade internacional através do Acordo de Paris, em 2015, visam a adoção de medidas que limitem as tendências para o aumento da temperatura global no planeta, através de medidas de mitigação e de adaptação. Portugal foi dos primeiros países a ratificar o Acordo de Paris e o primeiro a apresentar em Bruxelas um plano para a neutralidade carbónica até 2050, com uma abordagem estratégica que consta do RNC2050 – Roteiro para a Neutralidade Carbónica.

No domínio da energia, o país conheceu o fim da produção de eletricidade a partir do carvão e apresenta um mixenergético alinhado com esses compromissos, com a produção de eletricidade a conhecer forte penetração de energias renováveis: hídrica, eólica e mais recentemente com uma aposta no solar.

Todos sabemos que a complexa gestão de um sistema nacional de energia, não pode estar dependente de recurso a energia que não assegura continuidade, as reservas hídricas estão dependentes da precipitação e competem com outros usos, as condições de vento e a exposição solar estão também dependentes de condições não controláveis e por isso importa uma política energética que otimize as disponibilidades.

Naturalmente este processo apresenta custos e muitas vezes poderemos pensar que em alguns momentos esta transição energética determina maiores custos de energia, mas se tivermos em conta o que pode resultar de não darmos atenção ao processo que concorre para acelerar as alterações climáticas, os riscos podem ser significativos para as próximas gerações.

Os movimentos de jovens pelo clima devem fazer pensar, pois se muitas vezes a forma pode não ser a mais adequada, devemos ter em linha de conta que os cenários das alterações climáticas nos deixam preocupação se pensarmos uma visão prospetiva das consequências futuras.

Portugal tem um registo de emissões inexpressivo à escala global, mas todos têm de fazer a sua parte e desde o Protocolo de Quioto que temos vindo a assumir as nossas responsabilidades globais, com trajetória positiva e consequente com os compromissos assumidos.

QUESTÃO DA MOBILIDADE

Para além da produção de energia a questão da mobilidade coloca grandes desafios, porquanto tivemos um modelo de desenvolvimento urbano que por falta de adequado planeamento nos conduziu a um processo de despovoamento de grande parte do território, à concentração urbana no litoral e em particular nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

As dinâmicas de ocupação do território geraram periferias dormitório, com movimentos pendulares residência-trabalho-residência muito expressivos, na maioria dos casos sem adequados meios de transportes públicos, levando a uma quase forçada utilização de meios de transporte individual.

Nos últimos anos têm sido promovidos investimentos na rede de metro nas áreas metropolitanas, melhoria de frota em termos de conforto e na eficiência ambiental dos modos de transporte rodoviário, passes sociais a custos reduzidos, mas num contexto de ocupação do território todas as soluções se tornam complexas, com maiores custos de investimento e de operação e nem sempre respondem de forma adequada à procura.

Em termos de construção continuamos com os processos construtivos tradicionais e por isso a pegada ambiental e energética é enorme, quer na fase de construção, na sua fase de ocupação e uso, quer no passivo futuro quando chegar a hora da renovação ou demolição.

INCENTIVOS À AQUISIÇÃO

Regressando à mobilidade e ao peso do uso do transporte individual, verificamos que os incentivos à aquisição de frotas e veículos elétricos por empresas e particulares tem tido relativo sucesso, com Portugal a apresentar uma posição crescente na penetração de veículos elétricos, mas inferior a 1%.

O país europeu com maior percentagem de carros elétricos em circulação é a Noruega, com 20,8% do total. No espaço da UE, apenas seis países têm uma percentagem de carros elétricos superior a 2%, com destaque para a Suécia, com 4% da sua frota automóvel eletrificada.

O aumento de veículos elétricos coloca desafios significativos na rede de carregamento, nomeadamente postos de carregamento rápido, porquanto esse é hoje um fator de ponderação na hora de aquisição de veículos automóveis. Pese embora o país já disponha de uma interessante rede pública de carregamento, parece evidente que a aposta na mobilidade elétrica vai determinar a criação de infraestruturas de proximidade, o que em muitas áreas do país está muito longe de estar assegurado.

A nossa estrutura urbana marcada por condomínios nas principais áreas metropolitanas coloca dificuldades adicionais no carregamento em contexto habitacional, porquanto muitos não têm garagem e onde existe parqueamento privado não é fácil chegar a consenso sobre a realização de investimentos no sistema elétrico e de controlo de consumos.

NADA COMO EXPERIMENTAR

As nossas experiências pessoais ajudam a um olhar mais pragmático sobre as políticas públicas e por isso deixo registo de recente experiência em test drive com veículo 100% elétrico. A viagem do test drive determinou desde logo uma prévia preparação de viagem, com a abordagem da autonomia teórica e uma ponderação de autonomia real, identificação de locais de postos de carregamento rápido, localização de local de refeição para otimizar o tempo de passeio.

Num fim de semana marcado por algumas trovoadas, os dois primeiros postos de carregamento estavam com problemas e isso gera algum stress num primeiro momento, mas encontrado um posto de carregamento e de novo em ambiente de normalidade, a experiência foi extremamente positiva.

Os veículos elétricos tiveram grande sucesso no início do século passado e a sua performance chegou a ombrear em termos de autonomia com alguns modelos atuais, mas a emergência do petróleo determinou um caminho diferente para a indústria automóvel.

Atualmente os veículos 100% elétricos apresentam a cada dia crescente autonomia, conforto na condução, performance de segurança, custos de manutenção e de operação mais reduzidos e uma fiscalidade mais atrativa. As tendências da indústria automóvel apontam um futuro de mudança, e pese embora os desafios da rede de carregamento rápido, o tema do fim de vida das baterias, as implicações na fiscalidade, pois as receitas fiscais do uso de combustíveis terão de ser compensadas por alguma outra forma de equilibrar as contas públicas, estamos em crer que será a tendência do futuro.

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