CARLOS MARTINS

A RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DA HABITAÇÃO TERÁ DE PASSAR POR UM CONJUNTO DE MEDIDAS COMPLEMENTARES QUE CONSIGA MOBILIZAR A VONTADE DE TODOS OS ATORES.

A política pública de habitação é objeto de um rol de acaloradas discussões após o veto presidencial à proposta legislativa da Assembleia da República. Digo acalorada, porque o seu tratamento na comunicação social trouxe para essa reflexão comentadores que têm sobre a matéria um conjunto de convicções assentes num “achismo” pouco fundamentado, quando temos profissionais que poderiam tratar o tema com base em estudos técnicos.

Tendo por referência o que fui ouvindo e fazendo leitura das manchetes nos órgãos de comunicação, sinto motivação para a participação cívica e fundamentos para expressar o meu próprio “achismo” sobre a matéria. Em face dos comentários e das opiniões expressas por distintos “especialistas” de todas as matérias que convocam a sociedade civil, estabeleci o meu juízo sobre a bondade da política pública Mais Habitação, começando por ler a proposta aprovada na Assembleia da República e objeto de veto do Presidente da República.

Conheço os processos construtivos e o atual mercado das obras de construção civil para estar ciente de que não se dará resposta ao déficit de oferta de habitação, esperando exclusivamente pela oferta de novas construções. Nunca num prazo in- ferior a três anos se terá parque habita- cional construído, relativo a processos de licenciamento e construção que se iniciem agora, quer se trate de oferta privada ou oferta pública.

A resolução do problema da habitação e o mercado do arrendamento em particular terá de passar por um conjunto de medidas complementares que, atuando nos atuais constrangimentos, consiga mobilizar a vontade de todos os atores. Atuar no licenciamento urbano de forma a tornar mais célere a emissão de licenças de construção parece avisado e necessário.

PROMOVER MAIS OFERTA

A leitura da proposta legislativa permite inferir que se pretende promover maior oferta de habitação através de um leque de iniciativas complementares, umas mais diretamente orientadas ao papel dos órgãos da administração central e aos municípios e outras apelando à mobilização de proprietários de imóveis, doseadas com medidas fiscais ou condicionamento a usos, nomeadamente de alojamento local. Sem procurar ser exaustivo dou nota do que mais retive da leitura, começando pela intenção de criar condições para que imóveis do Estado sejam cedidos em direito de superfície para disponibilizar, em regime de Contrato de Desenvolvimento para Habitação, solos ou edifícios públicos para construção, reconversão ou reabilitação de imóveis destinados a arrendamento acessível, medida de fácil concretização e que não me parece merecer reservas.

A criação de uma linha de financiamento de 250 M€ para a sustentabilidade financeira dos projetos privados de arrendamento acessível permitirá qualificar o parque imobiliário particular mais degradado.

Na mesma linha os incentivos fiscais ao arrendamento acessível que se destinam a contribuir para a sustentabilidade financeira dos projetos, nomeadamente a taxa de 6% de IVA para empreitadas de construção ou reabilitação de imóveis maioritariamente afetas ao Programa de Apoio ao Arrenda- mento; a isenção por três anos de IMI após aquisição ou reabilitação; a isenção de IMT na aquisição ou na compra para reabilita- ção ou construção; a isenção de Imposto do Selo em contratos de arrendamento ha- bitacional de imóveis destinados a arrenda- mento acessível, correspondem a medidas que, sendo de fácil implementação, estão alinhadas com os objetivos.

A intenção de promover a mobilização de imóveis do Estado cedidos em direito de superfície permite retomar o papel das cooperativas para promoção de habitação acessível, através de criação de projetos-piloto com a articulação do IHRU e a mobilização de municípios e entidades do setor. A criação de um Balcão Único de Arrendamento, bem como de um sistema integrado de acesso à informação, permitirá simplificar procedimentos, harmonizar e melhorar o funcionamento destes mecanismos e, assim, reforçar as garantias das partes.

O programa Arrendar para Subarrendar, que tem como objetivo a disponibilização imediata de oferta de habitação para os agregados da classe média, dando prioridade às situações de quebra de rendimento, famílias monoparentais e jovens, permitirá mobilizar habitação no curto prazo e pode minimizar o fato de a construção nova não apresentar oferta em número e localização.

PATRIMÓNIO DEVOLUTO

A mobilização de apartamentos devolutos há mais de dois anos para o arrendamento tem subjacente fomentar a utilização do património devoluto previamente classificado como tal pelas câmaras municipais, nos territórios que não se enquadrem no conceito de baixa densidade. Sendo esta uma das medidas que gerou maior controvérsia, importa referir que não são considerados como devolutos as casas de férias, casas de emigrantes ou de pessoas deslocadas por razões profissionais ou formativas, e casas cujos proprietários estão num equipamento social, como um lar, ou estão a prestar cuidados permanentes como cuidadores informais.

Garantir um equilíbrio entre as respostas habitacionais e a continuidade do Alojamento Local, sobretudo nas áreas de maior pressão, passará pela suspensão de novas licenças nas modalidades de apartamentos e estabelecimentos de hospedagem integrados numa fração autónoma de edifício. Vejo na possibilidade de condomínios porem termo às licenças emitidas sem a sua aprovação uma medida muito positiva, pois quem vive situações deste género conhece os incómodos e os custos que se podem vir a gerar.

Poderemos dizer que o somatório de medidas permite atuações em diferentes causas que estão na base dos problemas que enfrentamos nos principais centros urbanos. A velha história do velho, do rapaz e do burro traz à memória a certeza de que sempre se poderão alinhar narrativas, consoante os olhares, e neste caso dos interesses em presença.

 

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