CARLOS MARTINS

RECICLAGEM – Comportamentos Ambientais à margem do Covid-19. A pandemia Covid-19 criou uma grave situação se saúde pública a nível global, assim como problemas económicos e sociais que dificilmente conseguimos projetar no futuro. As implicações da pandemia estão a alterar profundamente a vida de cada um de nós com uma disruptiva alteração de paradigmas que vinham sendo consolidados desde a Revolução Industrial e do pós-II Guerra Mundial. Os nossos comportamentos estão a ser fortemente influenciados por um novo conjunto de preocupações e recomendações que decorrem de um foco no valor da vida e da responsabilidade individual dos cidadãos para melhor lidar com este terrível vírus. O confinamento social recentrou a vida no nosso local de residência, circunscrito à família no seu núcleo mais restrito, onde se promove o trabalho, o estudo e a vida social possível. As tecnologias de comunicação ajudam a ultrapassar alguns constrangimentos deste novo contexto, mercê do facto de os portugueses disporem de uma boa rede de infraestruturas de suporte. Fizemos rapidamente uma aprendizagem para o uso de ferramentas de videoconferência, as empresas promoveram as condições para o teletrabalho em muitos domínios de atividade, assistimos a uma dinamização de vendas eletrónicas e à valorização da prestação de serviços de proximidade. Mas muitas áreas de atividade exigem uma presença física, determinando neste caso um grande empenho de profissionais, que sob maiores riscos continuaram a trabalhar em ambiente de contingência, mas com algum alinhamento com o regime normal. Estas mudanças trazem à nossa vida reflexões múltiplas, consoante o prisma do observador, pelo que entendi deixar umas breves notas sobre os nossos conflitos de pensamento, orientados à temática ambiental e dos plásticos em particular. 

Efeitos no ambiente – Numa visão mais global, vamos tendo notícias que refletem efeitos positivos para o ambiente, a redução das emissões, com reflexos na qualidade do ar, no ruído das nossas cidades, na redução de emissões do dióxido de carbono, o regresso de golfinhos ao Bósforo, maior número de nascimentos de tartarugas na zona costeira da Índia ou a nidificação de aves em locais improváveis. Mas estamos a assistir a uma maior produção de resíduos e a uma redução da reciclagem de materiais. Se pensarmos nos resíduos hospitalares perigosos, será natural admitir que houve um pico significativo, mas também nos resíduos urbanos que produzimos em nossas casas, juntamos agora as máscaras diárias que utilizamos nesta fase prolongada de desconfinamento, assim como frascos de gel de limpeza, luvas, viseiras, embalagens de comida de take-away e embalagens de compras eletrónicas. Se recuarmos dois anos, teremos presente toda uma preocupação societária em torno da redução de consumo de materiais plásticos de uso descartável. Basta lembrar as medidas que visavam proibir, num primeiro momento na Administração Pública a aquisição desses materiais e os incentivos para dinamizar um mercado alternativo de produtos que viessem ocupar o uso desmesurado do plástico. 

Abrandamento da reciclagem – Cerca de trinta por cento dos portugueses não tem comportamentos alinhados com a reciclagem dos seus resíduos de embalagem, seja o vidro, o plástico, as embalagens metálicas ou de papel/cartão, e neste contexto de maior confinamento social estarão a produzir maiores quantidades de resíduos nas suas habitações. Foram promovidas iniciativas legislativas e projetos de demostração, para suporte a medidas tendentes ao incremento da reciclagem através de legislação orientada para a tara retornável de embalagens de águas minerais e outras bebidas. O envolvimento da distribuição e de toda a cadeia de valor em torno de acordos e alianças para fazer cumprir tão relevantes objetivos foi muito alargado e empenhada a forma como dinamizaram boas práticas. Esse trabalho está agora mais comprometido, ganhando ainda mais relevância com as novas formas de consumo e novas preocupações com cumprimento de regras higiénicas decorrentes da pandemia Covid-19. Entendemos bem que, na fase atual, o plástico e os materiais de uso descartável tenham assumido um papel importante na nossa vida, e por isso este conflito interior, porquanto seria desejável caminhar para a redução do seu consumo e para uma maior substituição por materiais alternativos, desde que mais amigos do ambiente, e acabamos por assistir a um incremento de materiais plásticos no nosso dia a dia. 

Comportamentos futuros – Ganha pertinência a hierarquia de gestão dos resíduos, neste contexto limitado de promover a substituição ou a sua reutilização, pelo que deve ser promovida tanto quanto possível a sua reciclagem e a sua valorização. Estes momentos ajudam a consolidar um pensamento mais integrado, em contraciclo com visões muitas vezes dogmáticas, para que se tire partido da evolução tecnológica, respeitando valores ambientais. Hoje é um vírus que nos mobiliza, mas os desafios que poderemos enfrentar, se não lidarmos bem com as alterações climáticas ou a escassez de recursos naturais, não podem deixar de ser centrais nos nossos comportamentos futuros. Estes momentos evidenciaram uma grande capacidade da sociedade portuguesa, através de universidades, politécnicos, empresas e pequenas startups para projetos de parceria, que valorizam as nossas melhores capacidades, a criatividade e a inovação. Seria muito importante continuar a fazer esse caminho, de forma articulada com valores e objetivos ambientais globais, apostados que estamos em atingir 2050 em neutralidade carbónica. Importa, no momento presente, dar uma resposta aos problemas de saúde pública, aos desafios económicos e sociais, cumprindo novos comportamentos que trouxemos para as nossas rotinas diárias, mas continua pertinente o desafio ambiental colocado pelo Acordo de Paris, a relevância de uma sociedade que valorize a Economia Circular.