CARLOS MARTINS

1… 2… QUASE 3 PLANETAS

A humanidade precisaria do equivalente a quase 3 planetas para sustentar as suas necessidades de recursos, caso todas as pessoas vivessem com o padrão de uma pessoa média em Portugal.

No mesmo dia em que celebramos o dia da Mãe, que nos remete para fortes sentimentos de relação afetiva entre filhos e suas mães, ficamos a saber que em termos ambientais a nossa pegada ecológica atingiu um valor que nos deixa sentimentos de preocupação face à pressão que exercemos sobre a disponibilidade do planeta num ambiente de sustentabilidade.

Em termos simplistas isso quer dizer que o nosso modelo de consumo ultrapassa largamente as disponibilidades e cria uma pressão insustentável sobre a mãe Terra. A ZERO, em parceria com a Global Footprint Network, que atualiza anualmente os dados relativos à pegada ecológica de Portugal, concluiu que no dia 7 de maio já consumimos os recursos que o nosso planeta nos pode disponibilizar num modelo equilibrado.

Mesmo que possam existir algumas fragilidades nestes modelos, não restam dúvidas sobre as tendências que foram identificadas. A mesma metodologia de cálculo aplicada em ciclos anuais vem evidenciando nos últimos anos tendências preocupantes.

A tendência é um fator que evidencia a presença de problemas críticos, sendo que a tendência é caracterizada por uma pegada ecológica que tem vindo a crescer, reduzindo a cada ano o período em que ocorre a data em que passamos a viver a crédito de recursos, o valor registado em 2023 traduz uma situação que, a manter-se, implica não só a necessidade de um planeta B, mas nos aproxima de um cenário que implicaria também um planeta C.

Se tivermos presente um dos modelos de cálculo da pegada ecológica, ficamos a saber que Portugal esgotou no dia da Mãe os recursos naturais para 2023 que lhe caberiam num contexto global, o que significa que vai passar o resto do ano a viver de crédito ambiental. A humanidade precisaria do equivalente a quase 3 planetas para sustentar as suas necessidades de recursos, caso todas as pessoas vivessem com o padrão de uma pessoa média em Portugal.

Alimentação e mobilidade

Quando procuramos detalhar as razões para esta pegada ecológica, vamos encontrar como fatores críticos em Portugal, o consumo de recursos associados à alimentação e a fatores ambientais diretamente relacionados com nossos modelos de mobilidade.

A associação ZERO destaca que o modelo de produção e consumo que suporta o nosso estilo de vida tem no consumo de alimentos cerca de 30% da pegada global do país e na mobilidade, um valor que representa 18%. A alimentação e a mobilidade estão entre as atividades humanas diárias que mais contribuem para a pegada ecológica de Portugal e se quisermos alterar a presente situação estes serão domínios que constituem áreas de intervenções para mitigação da pegada ecológica.

No que respeita à alimentação estima-se que em Portugal se desperdicem cerca de 30% da produção em toda a cadeia do processo produtivo, transporte, comercialização

e consumo final. Para além do desperdício alimentar, importa ter presente que a balança alimentar portuguesa indica que consumimos cerca de três vezes mais proteína animal do que a que seria necessária numa alimentação saudável, sendo deficitários no consumo de legumes, fruta e leguminosas.

Se pensarmos apenas no desperdício de alimentos na fase de consumo nas nossas habitações e restauração, estima-se que cada português desperdiça 100 kg de alimentos por ano, ao que acresce o atual modelo de consumo que privilegia consumo de alimentos com maior pegada ecológica, nomeadamente alimentos com forte implicação nos consumos energéticos associados ao transporte e refrigeração.

No domínio da mobilidade, e pese embora a penetração de veículos elétricos e de modos suaves de transporte e o excelente desempenho da produção de energia de fontes renováveis que se verifica em Portugal, estima-se que apenas 9,7% do consumo final bruto de energia nos transportes provém de fontes renováveis, segundo dados do Eurostat.

Para esta situação concorreu também um modelo urbano que não fez a articulação da oferta de habitação com infraestruturas de transporte público, não acautelou a harmoniosa localização de áreas de escritórios ou de parques industriais com a proximidade aos locais de residência e que conduziu a periferias dormitório que muito penalizam a mobilidade em domínios que estão muito para além da pegada ecológica.

 

Desafios e novas abordagens

Portugal terá muitos desafios em matéria de transporte público, embora se assista a uma melhoria, a expansão da rede do metro em Lisboa e Porto, o preço reduzido dos passes sociais nas áreas metropolitanas, a criação da Carris Metropolitana na Área Metropolitana de Lisboa. Subsistem manchas urbanas significativas sem serviço de transporte público adequado, as deslocações casa-trabalho-casa apresentam padrões comportamentais que não concorrem para mitigar a pegada ecológica.

A economia circular constitui um desafio e ao mesmo tempo uma oportunidade para inverter um modelo de desenvolvimento centrado na lógica linear de produção, consumo e descarte, para novas abordagens que respeitem princípios de sustentabilidade, implicando novas abordagens para o design, a produção apostada em prolongamento da vida útil dos produtos, uma visão orientada à reutilização e promotora de reciclagem.

A educação ambiental e cívica está na base da mudança de comportamentos que podem levar a uma inversão das tendências que colocam em risco as futuras gerações. Assistimos a movimentos inorgânicos de jovens pelo ambiente que nos devem fazer pensar: num primeiro momento identificamos mensagens algo radicais, mas podemos encontrar razões fundamentadas na falta de convicção com que vimos enfrentando os desafios globais ambientais.

Portugal tem vindo a ter um posicionamento muito positivo em matéria ambiental e muitas vezes poderemos até ser levados a pensar que essa liderança nos coloca outro tipo de problemas num mundo económico globalizado.

Parece evidente que, a prazo, a liderança na transição energética, na descarbonização da economia, na neutralidade carbónica, na economia mais circular trará benefícios e vantagens competitivas. Como sabemos que só temos uma mãe que nos deu vida e por isso é tão forte essa relação nas nossas vidas, também sabemos que só temos um planeta Terra para suporte à nossa vida e por isso vamos ter de melhorar a nossa relação com a Terra.

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