GESTÃO DE ÁGUAS EM SITUAÇÃO DE ESCASSEZ – Confrontados com cenários críticos de disponibilidade de água, teremos todos de adotar no futuro comportamentos mais ajustados a um quadro de escassez decorrente de frequentes fenómenos climáticos extremos.
Ao iniciar esta breve reflexão, expresso votos de parabéns ao Prof. Doutor Adriano José Alves Moreira, pelos seus 100 anos, cujos artigos são minha leitura obrigatória nas páginas da Revista FRONTLINE. Disse o nosso Professor em recente entrevista que “Há uma sabedoria que a idade é que traz” e por isso quero acreditar que muitos ensinamentos do passado podem trazer ideias para usar melhor a água em ambiente de escassez. Confrontados com cenários críticos de disponibilidade de água decorrentes dos modelos que procuram simular as consequências das alterações climáticas, temos assistido a tímidos compromissos internacionais com limitadaspolíticas públicas orientadas para a redução de emissões de gases de efeito de estufa.
Em Portugal temos assistido a um conjunto de ações tendentes ao cumprimento do compromisso do Acordo de Paris, como já tinha ocorrido com o Protocolo de Quioto, o que permite uma avaliação positiva face às metas e objetivo de neutralidade carbónica em 2050. Importa ter presente que Portugal representa menos de 1% do total das emissões de gases com efeito de estufa à escala global, e se estamos a fazer a nossa parte, as consequências dependem em larga escala de medidas e compromissos à escala global.
A guerra entre a Rússia e a Ucrânia determinou uma crise energética na Europa, que que tem consequências contraditórias, pois parece acelerar a transição energética, desde logo com medidas para maior eficiência e a redução de energia de origem fóssil, mas por outro lado recupera e intensifica a produção de energia a partir de carvão para suprir problemas de curto prazo.
GESTÃO DA ÁGUA – As alterações climáticas têm contribuído para mudanças relevantes na disponibilidade de recursos hídricos, colocando a gestão da água no centro das preocupações em várias regiões do mundo, na Europa do Sul e na Península Ibérica, nomeadamente em Portugal.
Nessa linha estamos a ser confrontados com estudos que evidenciam estarmos a viver a pior seca em 500 anos na Europa e a pior onda de calor da história recente na China. O verão de 2022 no Hemisfério Norte deixou evidente uma mudança profunda nos caudais de rios e nos volumes de armazenamento em lagos tornando mais evidentes osimpactos de eventos climáticos extremos.
Na Europa, em julho, temperaturas sem precedentes foram registadas durante uma onda de calor generalizada e duradoura que causou não apenas secas, como incêndios florestais e mortes. O rio Pó, que é o maior da Itália, atingiu níveis recordes de redução de caudal após meses sem chuvas. Com a estiagem, o rio Pó secou e grandes faixas de areia foram expostas e em julho, durante a pior seca em 70 anos, a Itália declarou estado de emergência em cinco regiões do norte do país. O rio Reno, segundo maior rio da Europa e uma importante rota para produtos comerciais,viu os seus níveis de água caírem abaixo de 40 cm em algumas partes do seu leito.
Em Portugal de acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), choveu quase metade do que seria esperado de outubro do ano passado a agosto deste ano no país e extensas áreas do território encontravam-se no final de agosto em seca extrema. Importa relembrar que em Portugal o uso da água tem o setor agrícola a utilizar cerca de 75%, a indústria com cerca de 10% e o abastecimento público 15%. Em face da escassez verificada em cada região, decorre um conjunto de medidas e ações, tendentes a orientar o uso do recurso por critérios de prioridade, estando no topo dessa prioridade o abastecimento público de água.
Nestes momentos sempre assistimos a um posicionamento de vários utilizadores e grupos de interesses, sendo de referir os seguintes pontos de vista:
- Necessidade de construção de novas barragens. Esta abordagem parece esquecer que Portugal dispõe de um vasto conjunto de infraestruturas hidráulicas de regularização dos seus recursos hídricos, nuns casos para fins múltiplos (produção de energia, rega agrícola e abastecimento público de água) ou construídas pararesponder a um uso específico.
Acontece que muitas dessas barragens se encontram em bacias hidrográficas onde a redução da precipitação determina reduzida ocorrência de níveis de pleno armazenamento. Dito de outra forma, um maior número de barragens não determina aumento significativo de reservas na ausência de precipitação ou de caudaissignificativos nos rios internacionais. Ainda assim poderá haver justificação para a execução de charcas para uso nas atividades da agropecuária.
2. Recurso a produção de água potável a partir de unidades de dessalinização. Trata-se de uma tecnologia que conheceu grande desenvolvimento, mas apresenta ainda custos de produção muito elevados. O fator económico determinará o potencial uso e não se antevê que possa ser uma origem generalizada no curto prazo, senão como complemento ao abastecimento público, casos pontuais de uso industrial e em empreendimentos turísticos junto ao litoral.
3. Importância do uso eficiente da água. O Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (PNUEA) é um instrumento de política ambiental nacional que tem como principal objetivo a promoção do Uso Eficiente da Água em Portugal, especialmente nos setores urbano, agrícola e industrial, contribuindo para minimizar os riscos de escassez hídrica, sem pôr em causa as necessidades vitais e a qualidade de vida das populações, bem como o desenvolvimento socioeconómico do país. O PNUEA estipulava, para o período 2012-2020, limites para o desperdício de água para cada setor, estabelecendo metas de 20% para o setor urbano (25% em 2009), 35% para o setor agrícola (37,5% em 2009) e 15% para o setor industrial (22,5% em 2009).
Estudos recentes indicam que a larga maioria dos utilizadores agrícolas não dispõe de meios fiáveis de medição de caudais e por isso os valores de consumo são determinados por métodos indiretos. Trata-se de uma vertente a ter em devida conta, sobretudo no que respeita ao uso agrícola, mas com espaço de melhoria nos comportamentos do uso doméstico e na gestão das redes públicas municipais.
4. Melhor gestão do território e equilíbrio entre disponibilidades e procura de água. Tendo presente o consumo relevante na agricultura, são várias as vozes que apelam a um maior ajuste das disponibilidades de água com as atividades licenciadas, evitando culturas ou atividades que carecem de recursos hídricos de forma intensiva. Trata-se de matéria muito pertinente muito associada ao despovoamento dos territórios do interior e a uma concentração urbana no litoral, acompanhada de processos de produção na agricultura que procuram maximizar os resultados da atividade e responder à falta de mão-de-obra no setor. A coesão territorial e social deve merecer a máxima atenção, mas não são de prever alterações estruturais no curto prazo.
Criada em 2017, a Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca tem assumido um papel central no acompanhamento da situação e na definição de medidas de mitigação. Em finais de agosto apresentou um conjunto de medidas, muitas das quais sob a forma de recomendação, atento o quadro institucional.
Muitas dessas medidas cruzam de forma interessante esse conjunto de visões, mas estamos longe de observar a sua implementação por todos os atores e teremos todos de adotar no futuro comportamentos mais ajustados a um quadro de escassez decorrente de frequentes fenómenos climáticos extremos.
O recente acordo celebrado entre a APDA – Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas e a ANMP – Associação Nacional de Municípios Portugueses constitui um sinal que pode permitir gizar boas soluções futuras na vertente dos serviços de abastecimento de água dado o conhecimento, vontade e competências reunidas.
Porque não controlamos o tempo que faz, devemos controlar o que fazemos com o tempo, desde logo usando melhor a água que nos chega à torneira.