RECICLAGEM E COMPORTAMENTOS – A Unesco escolheu o 17 de maio para assinalar o Dia Mundial da Reciclagem, hoje um valor largamente partilhado, mas nem sempre acompanhado de comportamentos consequentes. Essa dicotomia entre valores e comportamentos determina que metas e objetivos não sejam alcançados e justificam uma breve reflexão sobre os desafios futuros.
Em Portugal, a população que tem agora 30 anos cresceu com o tema da reciclagem, todos em algum momento foram sensibilizados para a importância de gestos simples de separação e encaminhamento dos resíduos de embalagem e por isso associam à ideia as cores amarela, azul e verde, presentes nos ecopontos. Hoje entendemos a reciclagem como o processo que leva à transformação de um resíduo numa nova matéria-prima ou produto, mas a necessidade de tratar os resíduos é antiga, embora tenha ganho centralidade com a Revolução Industrial, que promoveu um aumento significativo da produção de resíduos.
As empresas e organizações que subscreveram o Pacto Português para os Plásticos, promovem em boa hora uma campanha de incentivo à reciclagem. Sob o lema “Recicla o Plástico”, a campanha visa sensibilizar os cidadãos para mudanças comportamentais que promovam hábitos de consumo e de descarte dos resíduos, mais alinhadas com os objetivos de reciclagem dos plásticos.
Pese embora um conjunto de medidas, sobretudo legislativas, visando ultrapassar a atual tendência de estagnação verificada nas frações dos resíduos passíveis de reciclagem, os dados apurados criam um forte imperativo de ações operacionais mais alinhadas com os desígnios da Economia Circular.
Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos
O Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU), aprovado em 1997 para o período 1997-2006, revelou-se um instrumento de planeamento de referência na área dos resíduos urbanos, que proporcionou a implementação de um conjunto de ações que se revelaram fundamentais na concretização da política de resíduos urbanos então preconizada, nomeadamente o encerramento das mais de 340 lixeiras que constituíam o seu destino final, a construção de uma rede de infraestruturas nacional cumprindo as boas práticas técnicas de âmbito ambiental e o desenvolvimento do sistema de recolha seletiva de resíduos de embalagens urbanas.
Seguiu-se o PERSU II, no período 2007-2016, muito orientado para um novo paradigma: os resíduos como um recurso, preconizando a sua maior valorização. A valorização do biogás, o incremento da valorização da fração de embalagens, a valorização orgânica com a produção de composto e energia e a produção e consumo de combustíveis derivados de resíduos (CDR).
Em 2014, tendo como enquadramento a crise económica vivida em Portugal e a intervenção da troika, foi revisto o plano estratégico e aprovado o PERSU 2020, de algum modo antecipando a privatização da EGF (Empresa Geral de Fomento), a aprovação de um novo modelo regulatório e o quadro de financiamento para a política pública setorial preconizado no Portugal 2020.
Os dados apurados na monitorização e acompanhamento do PERSU 2020 evidenciaram a estagnação dos quantitativos da recolha seletiva e da preparação para reciclagem, acentuada por um limitado alcance de objetivos no que respeita às expetativas e metas preconizadas em matéria de combustíveis derivados de resíduos, preparação para reciclagem e, consequentemente, na evolução da importante meta de redução de deposição de resíduos em aterro sanitário.
Alinhamento com políticas e estratégias comunitárias
Com o objetivo de reorientar os apoios financeiros europeus do setor para ações e investimentos alinhados com as diretivas europeias que preconizam metas na próxima década que determinam a duplicação da recolha seletiva de embalagens e a redução da deposição de resíduos em aterro para menos de 10%, foi aprovado o PERSU 2020+.
Essa revisão estratégica orientou a política pública para os novos desafios, nomeadamente apontando para investimentos na recolha seletiva porta-a-porta das frações valorizáveis, projetos-piloto para criação de sistemas de tara retornável no caso das embalagens de bebidas, apoio a estudos e projetos-piloto visando a recolha seletiva de biorresíduos, reforço da capacidade instalada para recolha seletiva e valorização de biorresíduos por compostagem e digestão anaeróbia.
A necessidade de alinhamento com políticas e estratégias comunitárias que contribuem para a prevenção de resíduos, aumento da preparação para reutilização, reciclagem e outras formas de valorização dos resíduos urbanos conduziu à elaboração de um plano para o horizonte 2030. O PERSU 2030 e a respetiva avaliação ambiental estiveram recentemente em processo de consulta pública, sendo de esperar que os contributos recolhidos constituam uma mais-valia na versão final do plano.
A pandemia veio perturbar e de alguma forma penalizar algumas das metas preconizadas para 2020, e será de admitir que tenha tido efeitos nos resultados de 2021, mas existem algumas indicações positivas na recolha de embalagens e no seu encaminhamento para reciclagem. O mercado dos materiais recicláveis tem evidenciado uma tendência de crescimento da procura e aumento dos valores destas matérias-primas secundárias. Etemos a situação vivida no setor da energia, que conduz a custos agravados para os municípios e entidades gestoras regionais de resíduos urbanos na recolha e na triagem. Os efeitos conjugados destas situações aconselham uma revisão extraordinária dos valores de contrapartida, como incentivo e restabelecimento dos equilíbrios que devem estar presentes no sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens.
Igualmente relevante será uma intensa campanha de fiscalização, pois são vários os indícios da existência de free rides (operadores económicos que não contribuem com ecovalor para os sistemas de gestão de embalagens) por ausência de declaração ou por deficiente declaração dos quantitativos colocados no mercado.
Sensibilização e mobilização dos cidadãos
Os desafios que as novas metas colocam à sociedade portuguesa são enormes, pois o sucesso desta política pública depende em larga escala dos comportamentos de cidadania. Estamos perante a necessidade de um forte esforço de sensibilização e mobilização dos cidadãos, onde será de esperar um papel especial dos municípios e das suas comunidades escolares.
O estabelecimento de tarifas municipais ajustadas aos custos da prestação dos serviços e uma maior transparência em matéria dos efeitos nas tarifas dos comportamentos de cidadania podem levar a umamaior disponibilidade para a compostagem individual e coletiva em áreas rurais, à criação e gestão de um sistema de gestão de embalagens de bebidas com tara retornável, o que pode constituir uma nova oportunidade de valorizar comportamentos.
Na Resolução do Conselho de Ministros n.º 111/2018 foi dado um importante passo para reduzir os resíduos de plástico de uso descartável de utilização única, limitando o seu uso na Administração Pública e no setor empresarial do Estado, e por isso seria bom conhecer o relatório previsto até 31 de janeiro de 2020 sobre a execução das medidas previstas na resolução, conforme previsto no respetivo Anexo III.
Julgo que todos temos a ganhar com gestos e comportamentos mais alinhados com as boas práticas ambientais e não poderemos esperar resultados distintos, sem abordagens diferentes. Temos de conquistar os mais de 30% de portugueses que não separam as embalagens dos seus resíduos urbanos, temos de envolver no desafio da separação dos biorresíduos quase toda a população portuguesa, pois sabemos a dificuldade de mudar de hábitos, somos todos parte do sucesso da política pública.
Tudo muito bonito de se ouvir (ou ler), mas a realidade Portuguesa é bem distinta do que li.
A politica dos CDR nunca existiu senão no papel.
Anualmente cerca de 2 milhões de toneladas de resíduos é descartada em aterro – a designada fração resto- que não é senão a matéria prima dos CDR!
E porque é que a politica dos CDR não funciona? Porque o seu escoamento está desde sempre nas mão de um “monopólio ilegal” que prefere importar do que pagar aos operadores portugueses pelo seu trabalho, apesar de ter obtido a licença para incinerar resíduos como contrapartida de ajudar a resolver o problema dos resíduos nacional.
Curioso é ouvir um ex-secretário de estado que nada fez para resolver essa situação vir agora falar do problema quando nada fez enquanto esteve com a pasta. A resolução da fração resto (que é apenas administrativa e compete ao governo) resolveria o problema das metas e certamente seria melhor e mais eficaz do que colocar o ónus da reciclagem na separação pela população, principalmente quando está demonstrado internacionalmente que a solução adoptada (ecopontos) não funciona. Só a recolha selectiva porta a porta teria o efeito desejado.
Aliás, o estado do ambiente foi terrivelmente agravado por politicas absurdas de uma ex-secretária inexperiente, que contribuiu fortemente para a desacreditação da rede de OGRs montada, e principalmente para o efeito NIMBY.
O meu conselho é que se quiserem que as coisas aconteçam, escolham quem sabe o que é tratar resíduos, abracem os operadores e ponham mão nas pseudo entidades licenciadoras e fiscalizadoras….
Aí talvez tenham números reais e as metas sejam cumpridas!