ESTES TEMPOS COMPLEXOS… – A pandemia Covid afetou as nossas vidas de uma forma e com contornos que ainda precisam de uma avaliação serena e fundamentada. Vamos ter de aprender a viver com o vírus e as suas variantes, numa vertente endémica com tudo o que isso trouxer às nossas vidas.
Perdas de produção na maioria dos setores, algumas oportunidades e desafios em outros, sobretudo na área da Saúde, novos modelos de trabalho, com o teletrabalho a merecer regulação e a ganhar espaço futuro em muitas funções, alteração de padrões de consumo e um novo imaginário na escolha de local e tipologia de habitação. Um tempo para novas aprendizagens pessoais, desde ganhar competências para cozinhar até habilidades para pequenas reparações caseiras, fazer uso de novas ferramentas para acesso e participação em reuniões ou eventos virtuais, que vão continuar a ter espaço no nosso futuro coletivo. Jovens com processos de aprendizagem reorientados, limitações ao convívio social, mesmo ao nível familiar, rotinas alteradas, afetividades com restrições, mais isolamento social e um reforço do uso de ferramentas de comunicação à distância, com a internet, o computador e o telemóvel a ganharem, ainda, mais espaço nas nossas vidas. Aqui e ali sinais de efeitos positivos no ambiente, redução de poluição, redução de emissões com efeito de estufa, melhor qualidade do ar ou das massas de água, um sentimento maior dos desafios das alterações climáticas.
O desafio de criação de vacinas, ultrapassado com elevado sucesso, a campanha de vacinação e as medidas de controlo da disseminação da doença permitiram encarar no início de 2022 o futuro com maior normalidade.
NOVA GUERRA NA EUROPA
Infelizmente, más notícias e acontecimentos inimagináveis iriam marcar os tempos atuais, a geoestratégia mundial e líderes de regimes autocráticos conduziram a uma nova guerra na Europa, cujas consequências são difíceis de antecipar, sendo claro que trarão sofrimento aos mais diretamente envolvidos, gerando riscos a nível global, alterações às nossas formas de estar, contornos complexos no modelo de desenvolvimento futuro e no bem-estar social. A pandemia Covid evidenciou a necessidade de autossuficiência produtiva da Europa em múltiplos setores, fazendo repensar a trajetória seguida nas últimas décadas. Agora, esta guerra entre Rússia e Ucrânia traz consigo uma reavaliação da dependência energética da Europa e do seu efeito cascata na estrutura económica, tornando evidente a fragilidade nacional e europeia em matéria da cadeia de produção agrícola e alimentar. A nova e desejada reindustrialização da Europa enfrenta como limitações mais evidentes a escassez de matérias-primas, limitações na disponibilidade de mão de obra em alguns setores, disponibilidade energética. Fica por isso mais claro o desafio coordenado de políticas públicas que precisam ser centrais no futuro próximo.
O Plano Europeu da Economia Circular (First circular economy action plan) identificou a questão relacionada com as matérias-primas e avançou um ambicio-so plano para assegurar a circularidade como fator essencial para o futuro. Temos de promover mais reciclagem, mas teremos de ser mais inovadores e criativos no ecodesign dos produtos. Precisamos de consumidores mais conscientes, teremos de ser mais eficientes no uso, mais disponíveis para reutilização, mais cientes das vantagens de produzir produtos com maior vida útil, de disponibilizar produtos mais fáceis de reparar.
TRANSIÇÃO ENERGÉTICA
A estratégia europeia para a energia e as opções nacionais que pautam a nossa linha de rumo desde 2005 permitem acalentar a esperança de um futuro ancorado em energias renováveis, marcado pela redução de emissões de gases com efeito de estufa e em maior autonomia endógena. A aposta na energia eólica e o grande incentivo atual à energia solar constituem apostas que permitem antecipar uma transição energética justa e compatível com desafios geoestratégicos e ambientais. O mercado energético europeu terá de se alinhar com novos desafios. As reservas e limitações decorrentes de entraves colocados pela França, no passado recente, à energia produzida na Península Ibérica tem agora fundamento para novas reflexões e ganham os argumentos para imposição de uma maior conexão europeia. Se antes a França protegia o seu mercado da energia nuclear, parece hoje evidente a necessidade de criar condições para um mercado de gás natural a partir de gaseodutos que podem ter origem em Sines ou para um mercado para lá dos Pirenéus, de energia solar produzida em Portugal e Espanha.
PROBLEMAS DEMOGRÁFICOS
No que respeita à mão de obra, o desafio europeu tem maior complexidade, os países europeus e sobretudo os países mediterrânicos enfrentam problemas demográficos que colocam em causa os modelos de segurança social e da sua capacidade produtiva. Este é seguramente um problema futuro, que necessita de políticas públicas muito consistentes. A produção agrícola e alimentar impõe uma reflexão sobre o despovoamento das regiões do interior de Portugal com tradução de uma forma geral nas regiões rurais da Europa. Inverter o processo de urbanização que se seguiu à Segunda Guerra Mundial é um desafio que está longe de ter boas respostas das atuais políticas públicas. Como otimista militante, talvez irritante, prossigo uma visão e uma orientação centrada na ideia de que somos capazes de fazer melhor, que existem meios para construir um modelo social mais justo, que todos poderemos ser mobilizados para criar condições para deixar um mundo melhor às gerações futuras.
A complexidade dos problemas que enfrentamos vai determinar novas reflexões e seguramente diferentes formas de construir os modelos de desenvolvimento do futuro, mas terá de mobilizar cada vez mais o melhor de cada um de nós. O tema das alterações climáticas vai continuar a pairar como grande desafio global, esperemos que a muito curto prazo se volte a um ambiente de paz, a um novo tempo em que a pandemia Covid seja considerada endemia e se regresse a um ambiente de esperança. Os tempos que vivemos e os problemas complexos que enfrentamos implicam novos caminhos, uso adequado dos recursos e muita determinação e vontade coletiva.