ACORDO EM GLASGOW, MAS… A COP26, que este ano decorreu em Glasgow, trouxe para a agenda mundial a temática associada aos problemas previsíveis face a um modelo económico que assenta em crescentes consumos de energia, em larga medida suportado em combustíveis fósseis. A Conferência das Partes (COP) é o órgão de tomada de decisões da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, o tratado que resultou da Cimeira da Terra realizada no Rio de Janeiro em 1992. A última década foi a mais quente da história, desde que existem registos, sendo as consequências observáveis em todos os continentes. A queima de combustíveis fósseis intensificou o efeito estufa, e a temperatura média do planeta subiu 1,1ºC desde o século XIX, situação suficiente para provocar eventos climáticos extremos e danos significativos. A correlação entre as emissões de dióxido de carbono e metano para a atmosfera e o aumento de temperatura global é hoje reconhecida por especialistas e decisores políticos em todo o mundo, sendo conhecidas as principais implicações futuras decorrentes e os cenários que estão associados a uma maior ou menor capacidade de promover a necessária transição energética.
António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, afirmou na abertura da COP26 que “estamos no caminho para um desastre climático”, realçou o aumento do nível do mar que já duplicou nos últimos 30 anos e referiu ainda que “falhar é uma sentença de morte” e que “este é o momento da verdade”. Ainda segundo o secretário-geral da ONU, “vários países já firmaram compromissos credíveis de acabar com as emissões até meados do século”, pois muitos já deixaram de financiar a indústria do carvão e mais de 700 cidades estão a liderar o caminho para a neutralidade climática. O presidente da COP26, Alok Sharma, referiu no discurso de abertura: “A ciência é clara e diz-nos que a janela de oportunidade para manter viva a meta dos 1,5℃ e evitar os piores efeitos das alterações climáticas se está a fechar rapidamente”.
ACORDO DE PARIS – Tivemos a honra de representar Portugal na COP21 em Paris, no ano de 2015, onde a diplomacia francesa e a liderança europeia foram decisivos para num derradeiro momento se aprovar o Acordo de Paris, e também aí o acordo conseguido à última hora foi obtido em trabalhos que se prolongaram para além do inicialmente previsto. De forma célere foram muitos os países a promover a sua ratificação e consequente reconhecimento internacional, mas passaram, num piscar de olho, seis anos, e muitas questões centrais ainda estão sem um devido enquadramento, o que deixa as maiores preocupações sobre o futuro. Seis anos depois do Acordo de Paris, houve sinais positivos vindos dos maiores poluidores do mundo em diminuir as emissões de carbono, mas as hesitações e o ritmo estão aquém do desejável. O posicionamento dos Estados Unidos da América durante a presidência de Donald Trump teve efeitos negativos e deu cobertura, também, a movimentos negacionistas sobre as alterações climáticas.
GRANDES OBJETIVOS DA CONFERÊNCIA – A COP26 estava marcada por quatro grandes objetivos, a saber: i) garantir que se alcança um nível de ambição coletiva que permita manter vivo o objetivo de não ultrapassar um aumento médio da temperatura global de 1,5ºC; ii) trabalhar para aprofundar a adaptação às alterações climáticas protegendo comunidades humanas e os habitats naturais; iii) assegurar que conseguimos mobilizar 100 mil milhões de dólares por ano entre 2021 e 2025 para que os países em vias de desenvolvimento possam tomar as medidas de mitigação e adaptação necessárias; iv) finalizar as regras do Acordo de Paris, concluindo as questões relacionadas com o mercado internacional de carbono, prazos e transparência. Por isso, 2021 é considerado um ano decisivo na luta climática. Duzentos países precisam apresentar planos para reduzir gases poluentes e limitar o aumento da temperatura média da Terra em 1,5ºC até 2050. Cerca de 120 chefes de Estado e de Governo reuniram-se em Glasgow para apresentarem as suas propostas para que se alcance o objetivo de limitar o aquecimento global a não mais de 1,5℃ até final do século, uma meta já em risco. A COP26 apontava para uma conclusão, sexta-feira, 12 de novembro, e nessa data estavam registados alguns acordos positivos sobre a desflorestação e redução de emissões. Ao todo, foram anunciados pelo menos 28 acordos, entre pactos gerais e bilaterais, ao longo do evento.
COMPROMISSOS ASSUMIDOS – Portugal juntou-se a outros 10 países numa declaração para acabar com a exploração de gás e petróleo, uma intenção por enquanto limitada, pois só um país com produção significativa, a Dinamarca, definiu um prazo. Nessa declaração o nosso país assume que não irá prosseguir uma política de exploração de hidrocarbonetos no seu território e que será prosseguida a política de eliminação de subsídios ao uso de combustíveis fósseis. Portugal foi um dos primeiros países do mundo a comprometer-se com a neutralidade carbónica até 2050 e importa realçar que na presidência portuguesa do Conselho da União Europeia foi aprovada a Lei do Clima da União Europeia. O nosso país tem vindo a ter uma abordagem consequente no que respeita ao encerramento das centrais a carvão e apresenta um mix de produção energética onde se realçam os mais de 60% de energia renovável verificados no ano de 2020.
NECESSIDADE DE AGIR – A necessidade de ação perante a urgência da crise climática não teve posições negacionistas entre os chefes de Estado e de Governo presentes na COP26, mas ficou claro que uns parecem mais empenhados do que outros. A imagem da “janela de oportunidade que se fecha para que possamos aumentar as nossas ambições” na luta contra as alterações climáticas também foi evocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Apesar de ainda não ter conseguido fazer passar no Congresso nem no Senado americanos as propostas da Casa Branca, Biden expôs o seu empenho em cortar as emissões de gases de efeito de estufa dos EUA em 50% até 2030 por comparação às de 2005 e alcançar a neutralidade carbónica em 2050. Os 197 países reunidos na Cimeira do Clima COP26 conseguiram numa maratona final aprovar um acordo em Glasgow, mas os apelos dos países mais ambiciosos ficaram desiludidos com a redação final do Acordo em matéria do uso do carvão decorrente do posicionamento da Índia.
Portugal representa apenas cerca de 1% das emissões globais dos gases responsáveis pelas alterações climáticas, mas tem vindo a apresentar uma trajetória estratégica e um conjunto de ações que permitem antecipar que está em condições de cumprir os compromissos do multilateralismo traduzido no Acordo de Paris. Importa deixar claro que os desafios que se enfrentam nesta mudança de paradigma não estarão isentos de dificuldades e de incompreensões, as recentes posições sobre o encerramento da Central do Pêgo está aí para nos lembrar que teremos problemas sociais e comportamentais neste caminho até à neutralidade carbónica preconizada para 2050.
Estamos muito longe de ter uma consciência coletiva informada que permita encarar a transição energética num ambiente de serena mudança de mentalidades, e as roturas com os modelos clássicos de desenvolvimento vão marcar as próximas décadas… porque as insuficientes ações no pós-Acordo de Paris (2015) nos mostram como são complexas as mudanças que teremos de fazer.