CARLOS CARREIRAS

MEDIDAS PIONEIRAS – Três notas sobre a liderança em tempos de crise. Haverá poucos momentos na nossa vida em que tenhamos a hipótese de nos unirmos na diferença. De sermos a multiplicidade de um só. O combate à propagação do coronavírus tem sido um desses momentos definidores do sentimento comum de humanidade. O Covid-19 não faz distinção de raças, nem de credos, nem de estratos sociais. Não discrimina em função da geografia ou da orientação sexual. Cada um de nós, cidadão do mundo, é alvo potencial desta ameaça à saúde pública global. O coronavírus prova o insucesso das políticas nacionalistas. Por mais fronteiras que se fechem, não há nenhuma comunidade ou nação que por si só seja capaz de conter, combater e curar a doença. A primeira nota que gostaria de deixar é esta: a pandemia é fruto da globalização. E só pela globalização terá resposta. A propagação do Covid-19 é um desafio global, que tem exigido respostas nacionais, regionais, locais e individuais. Todas elas são extraordinariamente necessárias. Não sabemos muita coisa sobre o coronavírus. Por exemplo não conhecemos a cura nem até quando é que isto vai durar. Mas sabemos o que havemos de fazer para o combater. Com responsabilidade, adaptando os nossos comportamentos e os nossos hábitos. Concedendo e fazendo esforços, cada cidadão pode contribuir – à escala individual – para conter um problema global. 

A primeira das vagas – A segunda nota é que a crise por que estamos a passar é apenas a primeira de três vagas de choque. A crise de saúde pública está no epicentro das ondas de choque económico, que se sente já com força, e social. Enquanto os sistemas de saúde pública nacionais ainda tentavam dar resposta ao desafio da saúde, a incerteza gerou pânico que arrastou a economia. Enquanto escrevo estas linhas, na Europa há 40 milhões de trabalhadores em lay-off. Nos EUA são mais de 26 milhões. O setor da aviação estima as suas perdas em biliões de euros. As cadeias logísticas globais estão sob um enorme e tremendo stress. O comércio internacional, uma das fontes de prosperidade da nossa sociedade, está a ser posto em causa. O PIB deu o maior tombo da história num só trimestre. A economia pura e simplesmente desligou o interruptor durante dois meses. Portugal, uma pequena economia aberta e muito exposta ao exterior, vai sofrer por acréscimo. Mais ainda por carregar às costas um fardo tremendo de dívida pública de 120% do produto, que não permite a descolagem do crescimento económico. Que respostas económicas darão os governos e as organizações multilaterais, e até onde estão dispostos a ir, é a grande questão que ainda não tem uma resposta clara. Vivemos um tempo historicamente anormal: pleno emprego, baixa inflação, crescimento moderado e taxas de juro baixíssimas. Terá a política orçamental e monetária espaço de manobra para enfrentar um choque desta dimensão? Temos a todo o custo de evitar um terceiro choque e mais problemático de todos: o de uma crise social de grande magnitude. 

Necessidade de confiança – A terceira nota é que esse cenário não passa disso mesmo, um cenário, se fizermos o que tem de ser feito. Portugal e o mundo precisam de confiança e de esperança. A confiança e a esperança não se decretam. Ou há, ou não há. Para que haja, os líderes e os cidadãos têm de fazer ambos o seu papel. Muito se discute por estes dias a abertura da economia. Ela não dará em nada se as pessoas não confiarem. A base da confiança está na segurança, pilar estrutural de qualquer sociedade livre e próspera. Para que as pessoas se sintam seguras, o poder político tem de fazer a sua parte. Em Cascais, à nossa escala local, é isso que nos tem guiado. Quando a crise deu os primeiros sinais na Europa, reuni à minha volta especialistas de diversas áreas: médicos, militares, cientistas. A todos eles recorri para nos ajudarem a mapear o caminho incerto à nossa frente. Dividi em dois tempos a nossa atuação. 

Investir na proteção – A primeira fase, de proteção. Compramos milhões de máscaras, fizemos encomendas de EPI para toda a Área Metropolitana de Lisboa, equipámos os lares, as forças de proteção civil e de segurança, desinfetámos ruas e transportes, fechámos estruturas cruciais como o aeródromo e a marina. Montámos dois centros de testes Covid-19, encontrámos alojamento para os profissionais de saúde em hotéis e linhas de apoio aos idosos. Arranjámos um teto aos sem-abrigo e continuamos a dar refeições às crianças mais necessitadas das nossas escolas. Comprámos 400 dispensadores de máscaras e temos duas máquinas industriais a produzir 5 milhões de máscaras por mês. Cascais é autossuficiente a este nível e a nossa população sente esse conforto. Estivemos sempre um passo à frente. 

Tomar as melhores decisões – Entrámos agora na fase seguinte: a de testar, testar, testar. Queremos levar as pessoas para a rua, com responsabilidade e sentido de dever, para que não se mate a economia e crie uma crise social sem precedentes. Com 5 mil testes, começámos por testar todos os funcionários de comércio e restauração. Assim se gera confiança. Assinámos com a Roche, em parceria com a Fundação Márion, os Laboratórios Germano de Sousa e Joaquim Chaves, um programa de testes único no mundo. Vamos testar toda a nossa população, de forma gratuita e universal. Estes dados permitem conhecer melhor a doença, ao mesmo tempo que dão à Câmara de Cascais a possibilidade de tomar as melhores decisões com base na Ciência. Os cidadãos, por seu turno, sabendo se estão ou não imunes ao vírus, ganham confiança. Para terminar, apoiamos o comércio com a criação de uma APP – “Compre agora, ganha depois” – que mais não é do que um movimento de injeção de liquidez nos nossos estabelecimentos comerciais, para que eles não desapareçam da nossa paisagem urbana. Criámos o gabinete de apoio ao empresário, fomos pioneiros ao permitir o alargamento de esplanadas e isentámos o comércio de um número significativo de taxas. No capítulo social, baixamos as tarifas da água, criámos um fundo de emergência de 5 milhões de euros e estamos a fornecer gratuitamente máscaras a muitos setores sociais mais desfavorecidos. 

Mensagem de esperança e de otimismo – Todas estas medidas injetam confiança. Nas pessoas, nas empresas, na comunidade. Em cima disso, é preciso que quem tem responsabilidades faça o resto. Creio que as crises formam ou destroem as lideranças. Neste tempo, serão recordados os líderes que deram a cara, que não se esconderam, que estiveram ao lado do seu povo. Que, independentemente de terem errado a dada altura – e toda a gente erra quando à nossa frente só há escuridão –, tomaram sempre as melhores decisões nas suas circunstâncias. Que, por fim, passaram uma mensagem de esperança e de otimismo neste tempo de adversidade. As pessoas não precisam de líderes que lhes mostrem o medo. Tão-pouco de responsáveis que se escondam. Precisam de líderes que lhes mostrem que há caminho e futuro por mais negras que sejam as nuvens no nosso horizonte.