NUM MUNDO EM CONVULSÃO, PORTUGAL ESCOLHE A INSTABILIDADE
Há poucos meses, na sua mensagem de Natal, o primeiro-ministro afirmava que, num mundo em convulsão, com guerras militares e comerciais a gerar incerteza e imprevisibilidade, Portugal era um referencial de estabilidade e um país de oportunidades.
A “convulsão mundial” de que falava o primeiro-ministro atingiu, desde então, uma dimensão que poucos poderiam prever. Se as atenções já estavam focadas nas intenções protecionistas de Donald Trump, as ameaças alargaram-se, com sucessivos sinais de que a nova Administração norte-americana está apostada em destruir as regras sobre as quais a ordem internacional foi sendo construída, desde a Segunda Guerra Mundial.
Logo nos primeiros dias após a posse do presidente Trump, os Estados Unidos abandonaram organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, e desvincularam-se de acordos internacionais, como o acordo fiscal global da OCDE e o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas.
Ao longo das últimas semanas, tornou-se cada vez mais clara a desestruturação total da ordem geopolítica mundial, com os Estados Unidos a desprezar as suas tradicionais alianças, ao ponto de alinhar o seu voto ao da Rússia e da Coreia do Norte contra uma resolução na ONU sobre a guerra da Ucrânia. Poucos dias depois, assistimos à humilhação pública do Presidente Zelensky na Casa Branca e à suspensão de toda a ajuda militar prestada pelos Estados Unidos à Ucrânia.
Os aumentos de tarifas, à revelia das regras da Organização Mundial do Comércio, foram tomando forma, embora com avanços e recuos, começando pelos vizinhos mais próximos e pela China, mas ameaçando também a Europa.
Poderia prosseguir com mais exemplos de falta de respeito da Administração norte-americana pelos seus aliados e pelo direito internacional. Um recente artigo publicado no The Economist concluía, em jeito de síntese, que o mundo já começou a preparar-se para uma era sem lei.
A União Europeia
Neste cenário, a União Europeia parece ter começado a reagir, tomando consciência da sua vulnerabilidade, com uma clara mudança de prioridades. Competitividade e defesa são agora as palavras de ordem. Aliviam-se de excessos peças legislativas adotadas há menos de um ano. Abre-se a porta a decisões que há semanas pareciam politicamente impensáveis. Projeta-se um plano de 800 mil milhões de euros para aumentar as despesas europeias de defesa. A presidente da Comissão Europeia afirma que o “tempo das ilusões acabou”. Parece confirmar-se o que Jean Monnet afirmava: “a Europa será forjada na crise, e será a soma das soluções adotadas para essas crises”.
Na Alemanha, as duas principais forças políticas moderadas ultrapassam a desconfiança que surgiu durante a campanha eleitoral, entram rapidamente em negociações para formar uma coligação estável e juntam esforços para levar a cabo uma reforma constitucional que permita impulsionar o investimento em infraestruturas e defesa.
E em Portugal?
Precisamente quando estabilidade e coesão internas são fatores fundamentais para enfrentar os desafios e ameaças que se nos colocam, as principais forças políticas não souberam evitar uma crise que os portugueses não compreendem. Teremos agora eleições antecipadas, das quais não irá certamente resultar um cenário de maior estabilidade do que aquele em que temos vivido.
A incerteza criada e o interregno que teremos com um Governo limitado na sua capacidade de ação poderá fazer adiar decisões de investimento, nomeadamente de investimento estrangeiro.
A Moody’s avisou que se a incerteza política se prolongar no tempo, irá penalizar o crescimento, prejudicar de forma significativa a execução de investimentos e reformas e, potencialmente, levar a um corte da notação financeira atribuída à República Portuguesa.
A imprensa internacional difunde uma imagem pouco lisonjeira do nosso país. Veja-se o Financial Times que escreve que a atual situação veio reforçar a perceção pública de corrupção generalizada na política portuguesa. A Reuters cita um cidadão anónimo que afirma que ninguém entende porque é que há novas eleições tão cedo, acrescentando que os políticos se culpam uns aos outros, mas todos eles estão a ser irresponsáveis.
Será que Portugal ainda se pode apresentar como um referencial de estabilidade e um país de oportunidades, num mundo em convulsão?