ANTÓNIO SARAIVA

O DESPERTAR DA EUROPA 

A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas despertou muitos medos. Tenho esperança que tenha despertado também reações bem mais positivas, numa Europa que parece precisar de um ambiente externo de adversidade para avançar. 

Na esfera económica, a reeleição de Trump apresenta, de facto, sérios riscos, acrescentando a todos os fatores que ameaçam a economia europeia a perspetiva de uma escalada protecionista do seu principal parceiro comercial. 

Num mundo racional, seria de esperar que, num ambiente hostil ao que podemos designar por civilização ocidental, a resposta fosse o fortalecimento dos laços que unem as nações que se reveem nos valores dessa mesma civilização, sejam esses laços de natureza política ou económicos e comerciais. Nesta linha, não é surpreendente que Enrico Letta tenha defendido no seu relatório a criação de um Mercado Único Transatlântico como objetivo de longo prazo. 

Infelizmente, não podemos contar com essa racionalidade. Pelo contrário, durante a campanha eleitoral, Trump prometeu aumentar drasticamente os direitos aduaneiros, defendendo a ideia de uma tarifa universal de 10% a 20% sobre todos os produtos importados. Há estimativas que quantificam o impacto de uma tarifa geral de 10% em menos 1% do PIB da zona do euro. Mesmo que o aumento generalizado de tarifas se revele apenas uma arma negocial com o objetivo de obter cedências, o certo é que a União Europeia não voltará tão cedo a contar com os Estados Unidos como um aliado seguro. 

Neste cenário, a Europa precisa de encontrar em si mesma as capacidades para vencer os importantes desafios com que se confronta no contexto mundial. Terão os líderes europeus o discernimento necessário para perceberem o que está em jogo e unirem esforços numa resposta mais consistente e verdadeiramente europeia a esses desafios? 

Não faltaram, a este respeito, alertas e propostas válidas de personalidades de reconhecido prestígio, como as que Enrico Letta e Mario Draghi forneceram nos respetivos relatórios. 

Já após a vitória de Donald Trump, a Declaração de Budapeste, saída do Conselho Europeu de novembro, parece dar sinais de que há um mínimo de consenso sobre a necessidade de a Europa “ser mais dona do seu destino”, nas palavras do presidente Charles Michel. 

Novo Pacto para a Competitividade Europeia 

A palavra de ordem é o Novo Pacto para a Competitividade Europeia. Este conceito reúne, numa mesma agenda,ingredientes como: 

  • um mercado único que funcione plenamente; 
  • mercados de capital verdadeiramente integrados; 
  • uma estratégia que permita à Europa assumir-se como uma potência industrial e tecnológica; 
  • uma “revolução de simplificação” para adotar uma mentalidade baseada na confiança, que permita o florescimento de negócios sem excessos de regulamentação; 
  • o fortalecimento da base industrial e tecnológica da defesa; 
  • uma política comercial ambiciosa, robusta, aberta e sustentável; 
  • novos instrumentos que mobilizem o financiamento público e privado para o investimento. 

Nesta declaração estão bem presentes os ecos dos dois relatórios acima referidos. É um repto para o ciclo político europeu que se vai iniciar, e onde encontramos portugueses com fortes responsabilidades. Desde logo, o novo presidente do Conselho Europeu e a comissária responsável por pôr de pé uma das vertentes mais importantes desta agenda: a União da Poupança e Investimento. 

Não tenho dúvidas de que, num enquadramento menos ameaçador, não teríamos, da parte dos líderes europeus, uma prioridade tão clara na competitividade, com palavras tão fortes. 

Falta, agora, sentido de urgência, vontade política e determinação para vencer obstáculos e passar das palavras à ação. Serão apenas boas intenções, ou será, finalmente, o início do despertar da Europa? 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *