O DESAFIO DA ESTABILIDADE EM TEMPOS ADVERSOS
“O mundo está tão perigoso como já não se via há várias gerações”, declarou Ursula von der Leyen no Congresso do Partido Popular Europeu em que foi confirmada a sua candidatura para um novo mandato como presidente da Comissão Europeia.
De facto, vivemos tempos perigosos. A guerra na Ucrânia entrou no seu terceiro ano sem que se anteveja como ou quando poderá terminar. Não tenhamos dúvida de que estamos perante algo mais do que um conflito sangrento entre dois países: como Putin nos vai regularmente lembrando, é uma guerra contra o “Ocidente global”. E nem por isso o Ocidente dá mostras de estar suficientemente unido para a enfrentar.
A guerra entre Israel e o Hamas veio acrescentar mais fatores de risco. Os ataques no mar Vermelho, por onde passa 12% do comércio global, faz desviar rotas, encarecer e atrasar o transporte, com um impacto económico que já é percetível em muitas empresas portuguesas.
Vão surgindo mais pontos de tensão geopolítica. A intimidação económica é usada cada vez mais como arma política. Como nos alerta o último relatório do FMI, o aumento das distorções comerciais e da fragmentação geoeconómica enfraquece o dinamismo do comércio mundial.
As relações políticas e comerciais dos Estados Unidos e da Europa com a China tornam-se cada vez mais difíceis e marcadas pela desconfiança mútua.Seria desejável, em contrapartida, uma aproximação entre os Estados Unidos e a Europa, para fazer face a ameaças políticas e económicas comuns. Lamentavelmente, não assistimos a avanços significativos nessa aproximação.
A incerteza sobre a futura liderança dos Estados Unidos depois das eleições de novembro vem tornar o futuro ainda mais imprevisível e perigoso. Conhecemos as recentes declarações de Donald Trump, que põem em causa o próprio Tratado do Atlântico Norte.
ENQUADRAMENTO INTERNO
Tudo isto exige que Portugal seja capaz de assumir posições claras e firmes na União Europeia e na cena internacional. Tudo isto conduz a uma conjuntura económica adversa, tornando ainda mais necessárias políticas públicas que contraponham a um enquadramento externo hostil um enquadramento interno mais favorável ao crescimento.
Precisamos de políticas que estimulem o investimento, promovam a oferta de qualificações adequadas às necessidades das empresas, criem condições que facilitem a retenção de talento em Portugal. Precisamos melhorar o ambiente regulatório e competitivo das empresas, diminuir significativamente os custos de contexto que lhes retiram competitividade. Precisamos de conciliar estas políticas com o equilíbrio das finanças públicas, por forma a continuar a reduzir a dívida.
A tarefa não é fácil. Sem um mínimo de estabilidade governativa será praticamente impossível. As eleições de 10 de março resultaram num quadro parlamentar mais fragmentado e suscetível de criar dificuldades à estabilidade governativa. No entanto, essa estabilidade é fundamental para vencer os desafios que se nos colocam, no cenário global que procurei traçar. O pior que poderíamos fazer seria desviar os nossos esforços do essencial para, irresponsavelmente, nos concentrarmos em lutas internas, cegos às ameaças com que nos confrontamos.
GOVERNO E OPOSIÇÃO
Conseguimos já antever quem estará no Governo e quem estará na oposição.Saibam Governo e oposição evitar situações de instabilidade e incerteza que enfraqueçam, tanto no plano interno como no plano externo, a nossa capacidade de ação para vencer as dificuldades. Saibam Governo e oposição dialogar, entender-se naquilo em que é necessário, colocando o interesse nacional acima dos interesses partidários.
Se, das forças mais extremistas, de esquerda ou de direita, não podemos contar com esse sentido de responsabilidade, contemos então com as forças moderadas, com uma representação parlamentar largamente maioritária. Se, como Maquiavel, conceberem a política unicamente como a arte de conquistar, manter e exercer o poder, não iremos longe. Sejam, Governo e oposição democrática, capazes de cultivar a noção de política como a arte da negociação para compatibilizar interesses comuns e construir soluções coletivas.