ANTÓNIO SARAIVA

CONTAS CERTAS

Aproxima-se a data da apresentação da Proposta de Orçamento do Estado para 2024. O Orçamento do Estado é, na sua essência, um exercício que comporta uma descrição detalhada da previsão de receitas e uma autorização de despesas a realizar pelas administrações públicas. Contudo, encarar o Orçamento do Estado desta forma limitada, além de redutor, é perigoso.

O Orçamento do Estado poderá ser redutor e perigoso, porque olha para os impostos unicamente do ponto de vista financeiro, do Estado. Há quem defenda, nesta linha, que, enquanto não chegarem para cobrir as despesas públicas, não há impostos a mais. Esquece-se, assim, o impacto dos impostos na economia e deixa-se a carga fiscal sobre os cidadãos e as empresas à mercê da apetência do Estado por gastar mais e mais.

Mais do que olhar para o Orçamento do Estado numa perspetiva meramente financeira, devemos, então, encará-lo como um instrumento para influenciar a economia. Desta forma, como dimensão fundamental de política económica, a política orçamental é chamada a contribuir para diversos objetivos: garantir eficazmente o fornecimento de bens e serviços de interesse público, compensar falhas de mercado, aumentar a justiça e o bem-estar sociais, promover o crescimento e o emprego, contribuir para a estabilidade dos preços. Tudo isto aliado ao imperativo da sustentabilidade das finanças públicas.

Face a estes múltiplos objetivos, a opção deveria ser a de procurar conciliá-los, num exercício que, reconheço, não é fácil. Contudo, tem sido bandeira dos últimos governos proclamar que o reequilíbrio orçamental (com as famosas “contas certas”) pode ser conduzido através de uma política que passe por “aumentos de rendimentos, de investimento público e redução de impostos”.

Aumento da carga fiscal

É verdade que, em todos os Orçamentos apresentados nos últimos anos, vemos projetada alguma (embora pouca) redução da carga fiscal e elevados aumentos do investimento público.

Sucede, contudo, que ano após ano, a carga fiscal aumenta (desde 2015, as únicas exceções foram 2016 e 2019). Em 2022, à boleia da inflação, foram arrecadados mais 6758 milhões de euros em impostos e contribuições sociais do que o que tinha sido projetado no Orçamento do Estado. Chegámos a um novo máximo histórico de uma carga fiscal de 36,2% do PIB. Em 2023, vamos pelo mesmo caminho: o valor projetado no Orçamento do Estado para estas rubricas era superior em 2,7% ao valor observado em 2022; a execução orçamental (entre janeiro e julho) mostrava um aumento de 9,7% relativamente ao mesmo período de 2022.

Quanto ao investimento público, os valores executados têm ficado sistematicamente aquém dos orçamentados. Em 2022, ficaram por executar mais de 1400 milhões de euros. Em 2023, vamos, mais uma vez, pelo mesmo caminho: o valor orçamentado para o investimento era superior em quase 50% ao valor observado em 2022; a execução orçamental (entre janeiro e julho) mostrava um aumento de apenas 2,3% relativamente ao mesmo período de 2022.

Reequilíbrio das finanças públicas

Fica, assim, evidente a razão pela qual, nos últimos anos (com a óbvia exceção de 2020), os resultados em termos de reequilíbrio das finanças públicas têm sido significativamente mais favoráveis do que os projetados pelo Governo nos sucessivos Programas de Estabilidade e Orçamentos. Esses resultados foram conseguidos à custa dos desvios orçamentais positivos nos impostos e negativos no investimento – precisamente o inverso daquilo que teria sido necessário para uma política orçamental mais favorável ao crescimento económico.

Se for fiel ao projetado no Programa de Estabilidade apresentado em abril, o Orçamento do Estado para 2024 terá implícita uma significativa redução da carga fiscal e um aumento muito expressivo do investimento público. Assim o espero, na linha do que tenho defendido: uma política que conjugue um efetivo controlo da despesa pública (em que o investimento deve prevalecer sobre os gastos correntes do Estado), com uma política fiscal que estimule o crescimento e o desempenho do tecido produtivo nacional.

Mas mais do que projeções que depois não se concretizam, precisamos de execução nos projetos de investimento que tardam a chegar ao terreno; precisamos também de medidas de alívio efetivo da tributação sobre pessoas e empresas, domínios em que comparamos mal com a generalidade dos nossos parceiros europeus, no quadro de uma reforma fiscal que torne Portugal um país mais atrativo, tanto para o investimento como para o talento.

Será desta vez que as contas finais vão bater certo?

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