ANTÓNIO SARAIVA

 

ESTARÁ A ECONOMIA IMUNE AO QUE SE PASSA NA GOVERNAÇÃO?

Com toda a agitação política dos últimos tempos, quase passou desapercebida uma boa notícia: o crescimento da economia no primeiro trimestre deste ano – 1,6% em cadeia – foi largamente superior a todas as previsões, desde o Banco de Portugal (0,4%) ao Fórum para a Competitividade (entre 0,1% e 0,4%), já para não falar dos 0,0% previstos, em fevereiro, pela Comissão Europeia.

Esta boa surpresa na economia contrasta com toda a série de verdadeiros “socos no estômago” que temos recebido na esfera política. Enquanto os responsáveis pela governação andam distraídos com sucessivos episódios pouco abonatórios da seriedade que lhes é exigida, as empresas mantêm-se concentradas no que lhes compete – a criação de riqueza – e, apesar dos ventos contrários, apresentam resultados.

A primeira conclusão que podemos retirar é o reconhecimento do valor das empresas que, mais uma vez, assumem um papel fundamental num momento particularmente difícil da economia portuguesa. Mas será possível que continuem a apresentar resultados num cenário em que os responsáveis políticos insistem em manter a forma como têm exercido o poder? Essa é a grande questão que coloco.

Os resultados do primeiro trimestre são, sem dúvida, motivo de satisfação. Bastará que a atividade económica não entre em contração para que, no cômputo do ano, o crescimento supere as previsões atuais. Se se registar o crescimento em cadeia previsto pelo Banco de Portugal para os três próximos trimestres, o crescimento em 2023 será de 2,9%.

No entanto, estes resultados observados são frágeis e muito dependentes do bom desempenho da atividade turística. Ora, como todas as dependências, também esta é perigosa.

O crescimento deveu-se unicamente ao aumento das exportações, nomeadamente das exportações de serviços, e ao abrandamento das importações. De facto, segundo o que nos diz o INE, o contributo da procura interna para o crescimento em cadeia foi negativo, o que significa que consumo privado e investimento estão em queda.

Evolução no curto prazo

Tenho, neste momento, mais incógnitas do que certezas quanto à evolução da economia no curto prazo. Como reagirão as famílias e as empresas aos aumentos das taxas de juro, que, muito provavelmente, ainda se irão agravar nos próximos meses? O impacto destes aumentos não é imediato, ainda não se terá feito sentir plenamente, tanto no consumo como no investimento. Até que ponto aguentarão muitas empresas altamente endividadas o forte acréscimo dos seus encargos financeiros? Como reagirá a banca face a uma reapreciação do risco da carteira de crédito?

É certo que a execução do PRR poderá contrariar estas pressões recessivas. Basta pensar que, nas medidas dirigidas às empresas, há, neste momento, 3479 milhões de euros de apoios aprovados, dos quais apenas 327 milhões já chegaram aos destinatários. No total do PRR, há 12.740 milhões de euros aprovados e apenas 1787 milhões de euros pagos. Até que ponto é que a chegada ao terreno destes milhões “em caixa” poderá fazer a diferença no relançamento do investimento, púbico e privado?

Imprevisibilidade

Poderemos continuar a contar com um bom desempenho das exportações de bens e serviços ao longo do ano, para compensar a contração da procura interna? Como se comportará a procura externa? Qualquer deterioração da conjuntura internacional pode ser fatal. As tensões nos mercados financeiros vieram adicionar, ainda, uma nova fonte de imprevisibilidade.

Por todas estas razões, às quais poderia acrescentar muitos outros fatores de incerteza, não podemos dar por adquirida a recuperação da economia. E, apesar do valor e da capacidade de resistência que as empresas têm demonstrado, não estou certo de que se tenham tornado completamente imunes ao que se vai passando na esfera política.

Por isso, termino com um apelo aos políticos do meu país: menos leviandade e mais sentido da responsabilidade; menos inabilidade e mais competência; menos taticismo e mais visão estratégica; menos preconceitos ideológicos e mais pragmatismo eficaz; menos inércia e mais ação; menos conflitos decorrentes de interesses mais ou menos mesquinhos e mais coesão em torno do que interessa ao país

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