ANTÓNIO SARAIVA

MAIS UMA VEZ, RESISTIR PARA RECUPERAR – Iniciado sob o signo da recuperação, ainda que dificultada por diversos desequilíbrios nos mercados, o ano de 2022 foi marcado pelo impacto de um novo choque de grandes proporções que colocou as empresas sob uma tremenda ameaça.

A escalada dos custos energéticos e de diversas matérias-primas industriais e agrícolas, que vinha já a fazer-se sentir, foi potenciada e alargada pelos efeitos da guerra. A inflação instalou-se, tomando características mais estruturais e mais difíceis de dominar. Os seus efeitos recessivos tornaram-se bem visíveis, pela erosão do poder de compra das famílias, com uma inevitável retração do consumo. Afetaram também, de forma bem direta, as margens das empresas, uma vez que os aumentos dos custos não foram repercutidos plenamente nos preços. Acrescem os aumentos das taxas de juro, tornados inevitáveis na sequência do compromisso do Banco Central Europeu de fazer “o que for necessário” para trazer a inflação de volta à meta dos 2%.

A atividade económica travou bruscamente com o primeiro impacto da guerra, mas a capacidade de resistência das empresas tem levado a que a economia esteja a aguentar melhor do que toda esta conjuntura profundamente adversa faria esperar. O crescimento, no cômputo de 2022, terá sido, segundo tudo indica, superior às projeções feitas no final de 2021, antes do inicio da guerra. O desempenho do setor exportador, com particular realce para o turismo, foi fundamental para compensar, ainda que parcialmente, o impacto da crise no consumo e no investimento: quase dois terços do crescimento do PIB terão vindo do acréscimo do valor acrescentado nacional gerado pelas exportações de bens e serviços.

CONTRARIAR A RECESSÃO

Temos, agora, os primeiros sinais, ainda tímidos, de que, com algum alívio do preço do petróleo e do gás natural, a inflação começa a ceder. Sem menosprezar a necessidade de combater a inflação, não podemos centrar aí todas as preocupações, esquecendo o objetivo de contrariar a recessão. É fundamental que Portugal evite a recessão e consiga retomar, finalmente, um caminho de crescimento. Para isso, as empresas terão de vencer difíceis desafios: no imediato, o mais exigente  é o da resposta ao enorme aumento dos custos, salvaguardando, ao mesmo tempo, a sua posição nos mercados. Numa perspetiva de médio e longo prazo, outro desafio é o de reequilibrarem os seus balanços, para serem capazes de investir e melhorar a sua capacidade competitiva. O aumento das taxas de juro, que está já a fazer-se sentir e decerto se agravará nos próximos meses, torna este desafio ainda mais premente, mas também mais exigente.

As empresas terão de adequar e programar novos investimentos face à incerteza dos mercados e aos desafios da transição digital e tecnológica, da economia circular e da descarbonização.

Não menos importante é a necessidade das empresas se dotarem de recursos humanos com as competências necessárias para se modernizarem e responderem a estes mesmos desafios.

CENÁRIO DE INCERTEZA

Depois de dois choques consecutivos, 2023 será um ano em que a capacidade de resistência das empresas continuará a ser posta duramente à prova. Temos perspetivas de que a economia poderá escapar ao pior cenário, mas a incerteza continua a imperar. Chamo a atenção para a importância de um acompanhamento atento da evolução da atividade económica, com recurso às medidas que se revelem adequadas para mitigar eventuais novas pressões sobre a economia. Num ano de grande incerteza, o Orçamento deverá ser executado com grande determinação e eficácia, nomeadamente no que respeita ao investimento, mas também com a flexibilidade e capacidade de adaptação que as circunstâncias determinarem.

O PRR e o Portugal 2030 têm de chegar finalmente ao terreno. Serão fundamentais para contrariar as pressões recessivas e impulsionar a recuperação e a transformação da economia.

Apesar de, até agora, os marcos e metas contratualizados com Bruxelas terem sido cumpridos, apesar do esforço para, no final do ano, se acelerarem alguns pagamentos aos beneficiários finais, os dados – em especial sobre as medidas dirigidas às empresas – evidenciam atrasos que não podem ser desvalorizados e que urge recuperar.

O ministro da Economia afirmava, no final do ano, que o Executivo iria dedicar, a partir de janeiro, muita atenção à execução do PRR, prometendo simplificações administrativas, e olhar para o próximo ano tendo o objetivo de fazer chegar o dinheiro às empresas e ao sistema produtivo. Assim o espero.

É preciso recuperar os atrasos e sintonizar o tempo das medidas com o tempo das empresas. É preciso recuperar os atrasos nas reformas que continuam por fazer. É preciso recuperar o atraso que Portugal continua a acumular, inclusive face a economias que, ontem mais pobres, nos vão ultrapassando, pela sua maior competitividade e dinamismo.

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