PONTO DE PARTIDA PARA UM OBJETIVO PARTILHADO
Em outubro, afirmava neste espaço que, se houvesse vontade, realismo e capacidade de diálogo, seriam alcançados compromissos, e Governo e parceiros sociais chegariam a um acordo sobre Competitividade e Rendimentos.
O desafio do Governo, em 2019, para negociar um acordo sobre Competitividade e Rendimentos tinha sido aceite, desde logo, pela necessidade de conciliar estes dois vetores – competitividade e rendimentos – numa dinâmica positiva. Como já tive oportunidade de afirmar, a única forma de o fazer é conseguir que a produtividade aumente.
No último acordo social em Portugal que integrou a política de rendimentos, em 1996, afirmava-se, a este respeito, que a política salarial devia ter por objetivo a aproximação sustentada do salário real médio português ao salário real médio europeu, e que essa aproximação sustentada requeria a aproximação da produtividade média portuguesa à produtividade média europeia.
Para alcançar este objetivo, que permanece válido ao fim de todos estes anos, precisamos de um enquadramento mais favorável ao investimento, desde logo no domínio da fiscalidade, mas também no acesso ao capital. Precisamos de mais emprego qualificado. Precisamos de libertar as empresas do excesso de custos de contexto que absorvem muito do seu tempo e dos seus recursos. O Governo aceitou incluir estes e outros domínios nas negociações. Um acordo deste tipo seria sempre uma tarefa difícil e exigente.
SITUAÇÃO DE PARTIDA
Quando as negociações foram retomadas, em maio deste ano, a situação de partida tinha mudado significativamente. Este era o momento mais difícil para celebrar um acordo de médio prazo sobre competitividade e rendimentos. Quando as empresas veem aumentar de forma brutal os seus custos energéticos e de matérias-primas, como aumentar os salários acima dos aumentos de produtividade sem deteriorar ainda mais as suas margens ou sem repercutir esses aumentos nos preços, contribuindo para uma escalada da inflação mais estrutural, mais duradoura, de mais difícil reversão? E, fazendo-o, como evitar a perda de clientes e de mercados? Como evitar a perda de competitividade daí decorrente, com o consequente encerramento de empresas e perda de postos de trabalho?
Acresce a enorme incerteza sobre a evolução futura da produtividade e da inflação, tanto em Portugal como nos países com os quais precisamos de nos alinhar – em termos da evolução dos custos unitários – e com os quais queremos convergir – em termos estruturais e de rendimentos.
Apesar de todas as dificuldades, pelo empenho que o Governo e os parceiros sociais nele colocaram, foi possível assinar um acordo – mais uma vez com a habitual exceção da CGTP. Venceu a convergência em torno de uma ideia partilhada pelos seus signatários: a de que este era, também, o momento em que era mais necessário chegar a um acordo deste tipo, para reduzir a instabilidade, aumentar a previsibilidade e baixar parte dos riscos.
O acordo ficou, não o escondo, muito aquém da ambição que a CIP colocou nas suas propostas. Ficou, também, muito longe do modelo que foi inicialmente proposto pelo Governo e do que era defendido pelas centrais sindicais.
INICIAR UM CAMINHO
Foi possível, contudo, um aproximar de posições entre as partes. Foi possível iniciar um caminho que queremos continuar a trilhar no sentido da criação de melhores condições para o aumento da competitividade das empresas, seja no domínio fiscal, seja na redução dos custos de contexto. Este é o caminho que tornará possível o aumento de rendimentos que todos desejamos. Sobretudo, o acordo contribui para uma maior estabilidade social, fator decisivo quando a incerteza é grande e os riscos se avolumam.
Foi possível inscrever nesta Proposta de Orçamento do Estado alguma redução seletiva do IRC. Para as empresas de menor dimensão, há mesmo uma redução de carácter mais transversal, com uma maior abrangência e alargamento dos limites para a aplicação das taxas reduzidas de IRC de 17% e 12,5% (esta para as empresas que têm atividade nos territórios do interior).Acresce o incentivo, também em sede de IRC, à valorização salarial.
Foi possível chegar a outras medidas, como o fim da limitação de prazo para o reporte de prejuízos (embora, em contrapartida o limite para a dedução se tenha reduzido de 70% para 65% do lucro tributável).
Foi possível, ainda, incluir o fim dos pagamentos mensais para o Fundo de Compensação do Trabalho e, durante a vigência do acordo, a suspensão das contribuições mensais para o Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho.
Serão reforçadas, já este ano, as medidas para limitar os preços da energia, com uma maior injeção de fundos nos sistemas de eletricidade e gás.Prevê-se, finalmente, a criação de um Regime Geral de Taxas, para disciplinar os abusos que têm vindo a proliferar neste domínio.Tenho afirmado que este acordo não é um ponto de chegada, é um ponto de partida, com um horizonte de quatro anos. É um primeiro passo, que tinha de ser dado perante as circunstâncias atuais e tendo em vista esse objetivo essencial, partilhado pelos seus signatários: a necessidade de aumentar os rendimentos, sustentados em aumentos da competitividade.