ANTÓNIO SARAIVA

 

Os salários não sobem por varinha mágica – Só aumentando o valor dos bens e serviços que produzimos é que os salários poderão crescer de forma sustentável, sem prejudicar a competitividade das empresas e o seu futuro. Por outras palavras, a única forma de conciliar competitividade e aumentos salariais é conseguir que a produtividade cresça. 

 Muito se tem escrito sobre a necessidade de aumentar os salários. Se nos compararmos com as economias mais desenvolvidas (e é bom que nos comparemos sempre com os melhores), é óbvio que os salários em Portugal são baixos, muito baixos. No entanto, como o próprio primeiro-ministro já reconheceu, os salários não sobem por varinha mágica. 

Não menosprezando outros fatores, como alguns custos que, entre nós, comparam mal com os nossos concorrentes, os salários em Portugal são baixos porque a produtividade em Portugal é baixa. De acordo com os dados mais recentes do Eurostat, o custo laboral por cada hora trabalhada, em Portugal, é de 55% da média da União Europeia, enquanto a produtividade, também por hora trabalhada, é de 54%. 

 Argumentos em causa 

Um dos argumentos que frequentemente ouvimos é o de que o aumento dos salários reais tem ficado abaixo da evolução da produtividade. E invoca-se o período de 2009 a 2019, em que, de facto, essa afirmação é confirmada pelos dados. 

A escolha deste período, muito influenciado pelo programa de ajustamento, não será inocente. Se olharmos numa perspetiva mais alargada, verificamos que, entre 1999 e 2019, os salários reais aumentaram em linha com a produtividade: 19,3% e 18,9%, respetivamente. E se acrescentássemos os dados dos dois últimos anos, chegaríamos a uma conclusão bem diferente, uma vez que, em 2020 e 2021, a queda da produtividade foi da ordem dos 4% e o aumento dos salários reais de quase 9%. 

Outro argumento é o de que o peso das remunerações do trabalho no PIB deve convergir para a média europeia. O que os dados nos mostram é que esse rácio caiu abaixo da média da União Europeia em 2009. Até 2016 esse diferencial alargou-se, mas corrigiu progressivamente, a partir desse ano. A convergência completou-se em 2020. Em 2021, o peso das remunerações do trabalho no PIB em Portugal era de 48,8% e na União Europeia de 47,8%.  

Esta evolução deveu-se ao aumento da massa salarial do setor privado, decorrente de aumentos salariais e aumento do emprego, que foi de 33%, em termos nominais, desde 2016. No mesmo período, o aumento da massa salarial do setor público foi de 19%, também em termos nominais. 

Acrescente-se que, em 2021, o peso do excedente bruto de exploração das empresas no PIB, em Portugal, ficou 2,7 pontos percentuais aquém da média europeia. Em contrapartida, o peso dos impostos indiretos (menos subsídios) foi superior em Portugal: mais 1,7 pontos percentuais do que na média europeia. 

Ambição partilhada 

Afinal, onde estão as diferenças relativamente à média europeia? Afinal, onde está a margem de manobra para aumentar o poder de compra das famílias? 

Dito isto, é evidente que a ambição de termos, em Portugal, salários mais elevados, é partilhada por todos, empresários e trabalhadores, apesar de ainda hoje os preconceitos ideológicos pretenderem atribuir às empresas a vontade de esmagar e reduzir salários. Não vale a pena perdermos muito tempo com esta ideia absurda, até porque, ano após ano, a realidade tem-se encarregado de a contrariar. Ao contrário do que muitos teimam em apregoar, os salários não são entendidos pelas empresas unicamente como custos, mas também como instrumento para atrair e manter trabalhadores mais qualificados e competentes. 

Mas só aumentando o valor dos bens e serviços que produzimos é que os salários poderão crescer de forma sustentável, sem prejudicar a competitividade das empresas e o seu futuro. Por outras palavras, a única forma de conciliar competitividade e aumentos salariais é conseguir que a produtividade cresça. 

Para isso, precisamos de mais investimento, indispensável à incorporação de inovação tecnológica nos produtos e nos processos. O peso do investimento no PIB está ainda longe de ter recuperado para os seus níveis históricos. Se queremos, de facto, transformar o perfil económico de Portugal, então temos de nos tornar um país mais atrativo para o investimento, nacional e estrangeiro. 

Precisamos também de mais emprego qualificado. As empresas sabem que são as pessoas, com o seu conhecimento e competências, com o seu talento, o seu principal fator de diferenciação e de sucesso. Corremos o risco da falta de recursos humanos qualificados se tornar a principal barreira à inovação e ao crescimento, pelo que é fundamental apostar na qualificação e requalificação da força de trabalho e na sua permanente adequação às necessidades das empresas. 

Criação de valor 

Acrescentaria um terceiro fator para alcançar níveis mais elevados de produtividade: promover um ambiente de negócios que permita às empresas concentrarem os seus recursos na criação de valor. Isso passa por travar o contínuo surgimento de novas obrigações legais que implicam mais custos para as empresas e libertá-las dos custos de contexto que constituem ainda um evidente fator de perda de competitividade. 

Concentremo-nos, pois, no essencial, sobretudo num momento em que a inflação está a corroer não só o rendimento real dos consumidores, mas também as margens das empresas, uma vez que os aumentos dos custos não estão a ser passados plenamente aos preços. 

De acordo com um inquérito do Banco de Portugal e do INE, em maio, apenas 12% das empresas estavam a repercutir integralmente o aumento dos custos nos preços de venda e 60% estavam a fazê-lo em menos de metade.As empresas estão, por esta via, a travar a inflação, mas não poderão continuar, por muito tempo, a fazê-lo. 

Discutamos, então a questão salarial, seriamente, sem preconceitos, sem falsidades nem manipulação de dados, e, sobretudo, com bom senso. 

 

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