É CUIDAR DO URGENTE, SEM ESQUECER O IMPORTANTE – Nas últimas semanas, todas as atenções se centraram sobre a tragédia que se abateu sobre a Ucrânia e a urgência de encontrar soluções para as consequências desta guerra na economia.
Já estávamos a viver uma situação de escassez e alta de preços de várias matérias-primas, designadamente, metais; já estávamos a suportar uma escalada nos preços do gás natural (e, por arrasto, da eletricidade). A invasão da Ucrânia veio tornar dramático o que já era grave.O preço de referência do gás natural na Europa, que há um ano oscilava entre 15 e 20 euros, rondava os 70 euros dias antes do início da guerra e chegou a cotar mais de 200 euros nos primeiros dias de março. No momento em que escrevo, está ainda acima de 100 euros. O preço do Brent, que há um ano já tinha recuperado dos mínimos do início da pandemia para regressar a valores em torno dos 65 dólares por barril, está agora em cerca de 100 dólares.Este quadro é particularmente preocupante no caso do gás natural, vital para as empresas de diversos setores industriais, como a cerâmica, o vidro, o têxtil ou a fundição. Mas muitos outros setores estão a ser severamente afetados pela alta de preços da energia, seja do gás natural, seja da eletricidade, seja dos combustíveis.Estes aumentos estão a tornar inviável a produção em muitas empresas. Algumas já suspenderam a atividade, outras reduziram-na para três ou quatro dias por semana.
FALTA DE MATÉRIAS-PRIMAS
Há, também, setores afetados pela falta de fornecimentos de matérias-primas, como a metalurgia e a metalomecânica, muito dependentes do aço, do alumínio e do ferro, ou as indústrias alimentares, dependentes de importações de cereais ou oleaginosas. Esta situação veio mostrar as consequências dramáticas das dependências da Europa face a parceiros pouco confiáveis, como, neste caso, a Rússia. A Comissão Europeia apresenta agora uma estratégia de diversificação das fontes de abastecimento de energia e de investimento na produção de alternativas economicamente sustentáveis na Europa. Reconhece a necessidade de algo pelo qual vínhamos, há muito, a reclamar: o aumento das interconexões das redes europeias de gás e eletricidade, referindo explicitamente como críticas as que ligam Portugal, Espanha e França.
MEDIDAS URGENTES
Lamentavelmente, este caminho leva tempo a produzir resultados. Precisamos, agora, de medidas urgentes para mitigar o impacto do aumento de preços, energéticos e não só, nas economias europeias. Ao nível nacional, foram já tomadas algumas medidas, mas ainda claramente insuficientes. Outras estão a ser preparadas, como o estabelecimento de um teto máximo para o preço da eletricidade no mercado grossista ibérico, que está a ser negociado com Espanha.
São urgentes medidas que respondam, com a dimensão necessária, transversalmente, ao aumento de custos do gás natural e da eletricidade. São necessários apoios a fundo perdido às empresas mais afetadas pelos aumentos dos custos da energia. Face a uma situação excecional, é necessário recorrer a medidas excepcionais. A Europa tem de responder, unida, a esta catástrofe, construindo soluções comuns, com uma coesão ainda superior à que soube construir face à pandemia. Terá de atuar em várias frentes, das quais destacaria as seguintes: •Na compra conjunta ou concertada de gás natural, petróleo, ou mesmo matérias-primas em falta no mercado, uma vez que não existe produção significativa na Europa.• Na redefinição das regras dos auxílios de Estado que permitam a tomada, a nível nacional, de determinadas medidas de apoio à economia.•Na eliminação de barreiras alfandegárias e não alfandegárias à importação de matérias-primas, para fazer face à atual situação de escassez.Vejo ainda com bons olhos a ideia, mais difícil de reunir consensos, de reforço da emissão dívida conjunta para apoiar os Estados-membros, através de empréstimos.
O IMPORTANTE
São urgentes medidas que respondam à conjuntura dramática que estamos a viver. No entanto, a urgência do momento não nos pode fazer esquecer o importante, o estrutural, o que determinará o futuro da economia. É importante preservar o emprego e salvar as empresas. É importante recuperar, mas, ainda mais importante é transformar a nossa economia. Lembro, por isso, as grandes linhas das propostas apresentadas pelas cinco grandes confederações reunidas no Conselho Nacional das Confederações Patronais, centradas no objetivo do crescimento. Este objetivo passa, necessariamente, pelas empresas, nomeadamente pelo capital humano, que é o seu principal ativo, e pelo investimento, indispensável à incorporação de inovação tecnológica nos produtos e nos processos. Lembro, também, que a transformação da economia exige reformas. Destacámos três grandes áreas: a fiscalidade, a Administração Pública e a Justiça. Lembro, ainda, a importância de colocar os fundos europeus ao serviço de uma es-tratégia de crescimento com base na competitividade empresarial.
Espero que o próximo Governo transforme a margem de manobra que ganhou em ambição para levar por diante uma nova geração de políticas e reformas de que o país tanto necessita para crescer e convergir com os melhores. O urgente não nos pode fazer esquecer do importante.