ANTÓNIO SARAIVA

É TEMPO DE REFORMAS – É tempo de reformas que atuem do lado da oferta da economia, combatendo os obstáculos a uma produção eficiente e ajudando assim a aumentar a produtividade, o investimento e o emprego. Logo em março de 2020, a Business-Europe – que reúne 40 confederações de empregadores de toda a Europa – afirmou que, à medida que passássemos de iniciativas de emergência de gestão da crise para a tarefa a mais longo prazo de reiniciar o crescimento e reconstruir a economia, seria importante concentrarmo-nos em reformas capazes de desbloquear o potencial económico da Europa. De facto, é tempo de reformas. Reformas que atuem do lado da oferta da economia, combatendo os obstáculos a uma produção eficiente e ajudando assim a aumentar a produtividade, o investimento e o emprego. Em Portugal, identificamos facilmente muitos destes obstáculos, que sucessivos governos não têm conseguido resolver: uma fiscalidade opressiva e instável; uma administração pública ineficiente, que se reflete em burocracia injustificada, morosidade nos processos e hiper-regulamentação; uma justiça lenta e ineficaz. Assim, entre as reformas estruturais que devem integrar uma estratégia de crescimento da economia, destacaria três: reforma fiscal, reforma da Administração Pública e reforma da Justiça.

REFORMA FISCAL – No domínio da fiscalidade, é necessário inverter a tendência de aumento da carga fiscal sobre a economia e atenuar os aspetos em que o nosso sistema fiscal se mostra mais desfavorável, tornando-o mais competitivo, mais previsível e simples, por forma a relançar duradouramente o investimento. São conhecidas as propostas de natureza fiscal que as confederações de empregadores apresentaram, por ocasião da preparação do Orçamento do Estado para 2022. É preciso ir mais longe e enquadrar estas propostas numa reforma profunda da fiscalidade, que proporcione um quadro legal mais simples, transparente, coerente e compreensível. É preciso rever a legislação fiscal, clarificando-a à luz da jurisprudência, para minimizar interpretações divergentes e pôr fim à utilização abusiva do “direito circulatório” que estruturalmente contribui para a incerteza fiscal no nosso país. É preciso definir um regime geral das taxas e um regime geral das contribuições, de forma a pôr ordem numa realidade que se afasta cada vez mais dos princípios de legalidade, igualdade e proporcionalidade que deviam disciplinar a criação e o valor destes tributos. É preciso alterar as práticas e procedimentos na área da fiscalidade que conduzem a abusos, ao recurso à justiça com base em alegações insustentáveis e a uma incompreensível morosidade na execução das decisões judiciais por parte das autoridades.

REFORMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – Quanto à reforma da Administração Pública, recordo a afirmação que consta da “Visão Estratégica” que há alguns meses tanta atenção mereceu, mas que depressa foi esquecida: “se a Administração Pública mantiver o seu registo de business as usual, dificilmente dará resposta aos problemas que vamos enfrentar”. A reforma que se exige não se poderá limitar a um esforço de modernização e de investimento público nas tecnologias digitais e nas ferramentas informáticas. O objetivo é que os serviços públicos sejam reconhecidos pela sua utilidade e pela importância que têm para a sociedade. Para isso, a Administração Pública terá de se reorganizar de uma forma lógica, em função do serviço que presta. O resultado será uma estrutura mais eficiente, mais eficaz, consumindo menos recursos e propiciando um serviço público de maior qualidade. A reforma deverá incidir, igualmente, na eliminação dos entraves burocráticos que mais afetam as atividades económicas. Em particular, importa tornar efetivo o princípio “uma só vez”, que dispensa a entrega, pelos cidadãos ou pelas empresas, de informação ou documentos já detidos pela Administração Pública. Importa também que não se tomem novas medidas que acrescentem mais procedimentos e exigências que não se coadunam com a realidade em que as empresas vivem. Para tal, torna-se necessário que a avaliação de impacto das propostas de legislação seja levada a sério, com consequências sobre o próprio processo de produção legislativo. É necessário que o princípio, legalmente consagrado, da “comporta regularia” seja efetivamente aplicado, impedindo que surjam novas normas que onerem os cidadãos ou as empresas sem uma desoneração pelo menos equivalente, através da alteração ou eliminação de outras normas.

REFORMA DA JUSTIÇA – Finalmente, a reforma da Justiça é consensualmente tida como uma das mais importantes de que Portugal carece. Segundo o mais recente Economic Survey da OCDE, entre as reformas recomendadas para o nosso país, a que maior impacto económico teria no longo prazo seria precisamente a melhoria da eficiência do sistema judicial. De facto, entre os fatores que minam a competitividade das empresas e a atractividade da economia encontram-se os graves problemas decorrentes do funcionamento do sistema judicial. A reforma da Justiça deverá ter como foco os cidadãos e a necessidade de restaurar a sua confiança nas instituições e no próprio regime democrático, mas não poderá deixar de incidir na justiça económica, na medida em que condiciona o regular funcionamento das empresas e as decisões de investimento. Tenho insistido em que, seja qual for o resultado das eleições de 30 de janeiro (escrevo ainda em data anterior), o importante é que a vontade dos portugueses seja respeitada e que seja formado um novo governo que disponha de um claro e consistente suporte parlamentar, que garanta a estabilidade política. Só assim será possível promover as reformas que o país necessita para sustentar um novo ciclo de crescimento em bases sólidas e duradouras.

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