HÁ MUITO A FAZER, MESMO SEM ORÇAMENTO DO ESTADO – A situação política em que viveremos nos próximos meses em nada favorecerá a recuperação económica, aumentando a incerteza, que é sempre inimiga do investimento. As perspetivas de regresso da economia portuguesa à tendência de recuperação foram-se confirmando, ao longo deste ano, com sinais positivos do lado da procura a apontar para um forte dinamismo da sua reação ao progressivo levantamento das medidas de contenção e uma rápida redução da taxa de poupança, com reflexo numa retoma mais robusta do consumo. Contudo, o lastro deixado pelo impacto da pandemia é pesado. Os indicadores económicos e financeiros das empresas portuguesas em 2020 (recentemente conhecidos) são disso reveladores: o volume de negócios contraiu-se em 9,7%, afetando a rentabilidade dos capitais próprios, que caiu para metade do valor de 2019 e se tornou negativa (em valores próximos de -20%) nos setores mais afetados. Outros indicadores apontam, ainda, para um aumento da percentagem de empresas em potencial situação de risco: a acumulação de situações de maior debilidade financeira pode ainda vir a traduzir-se num aumento de insolvências.
Além disso, muitos setores estão a sofrer constrangimentos duríssimos do lado da oferta, com as empresas a suportarem custos crescentes (veja-se a escalada de preços das matérias-primas, da energia e do transporte marítimo) bem como dificuldades várias em abastecimentos indispensáveis à produção: falta de contentores, mercadorias retidas em portos por falta de ligações, atrasos de meses na receção de encomendas. Todo este descontrolo nas cadeias logísticas afeta não só os fornecimentos como as exportações e alastra ao longo das cadeias de valor, em efeito dominó.
FORTE RESISTÊNCIA DAS EMPRESAS – Apesar deste cenário adverso, é de assinalar a forte resistência das empresas, a sua determinação na preservação dos postos de trabalho e a resposta que estão a dar no processo de recuperação que está em curso. No mercado do trabalho, as mais recentes estatísticas surpreenderam pela positiva, mostrando que, com menos apoios públicos, as empresas portuguesas conseguiram melhor, em termos de criação de emprego, do que a generalidade das suas congéneres da União Europeia. Em Portugal, a população empregada chegou a perto de 4,9 milhões de pessoas, 1,5% acima do máximo histórico alcançado antes da eclosão da crise. Em muitos países europeus, pelo contrário, o nível de emprego permanece fraco em relação ao nível pré-pandemia, com maiores dificuldades na absorção do desemprego causado pela crise. Além disso, as empresas querem investir: no último inquérito levado a cabo pela CIP e pela sua estrutura associativa em colaboração com o ISCTE, 77% das empresas responderam que pretendem manter ou mesmo aumentar, em 2021, o nível de investimento que realizaram em 2019.
Na resposta ao Convite à Manifestação de Interesse para Desenvolvimento de Projetos no âmbito das Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial, as empresas mostraram a sua capacidade para, num curto espaço de tempo, colaborarem entre si e com o sistema científico e tecnológico para formarem consórcios e trabalharem propostas. O investimento total associado a estas candidaturas eleva-se a quase 15 mil milhões de euros.
CONTRARIAR A INCERTEZAS – É certo que a situação política em que viveremos nos próximos meses em nada favorecerá a recuperação económica, aumentando a incerteza, que é sempre inimiga do investimento. Mas as empresas não estão paradas. As empresas não podem parar. O Governo tem a responsabilidade de contrariar esta incerteza, continuando a trabalhar para um ambiente mais favorável ao funcionamento e ao investimento das empresas. Há muito a fazer, mesmo sem Orçamento do Estado. A execução do PRR não pode ser prejudicada pelo facto de, nos primeiros meses de 2022, passar a vigorar um regime de duodécimos. Há que cumprir o prazo para a seleção das candidaturas, de modo a serem endereçados os convites às Agendas Mobilizadoras pré-qualificadas para apresentação dos respetivos projetos finais. No domínio da recapitalização das empresas, foram já aprovados, em outubro do ano passado, os estatutos do BPF. Em julho deste ano foi criado o Fundo de Capitalização e Resiliência, mais de um ano depois de prometido. Estamos atrasados na definição da sua política de investimentos e no desenho dos instrumentos ao serviço dessa política. É preciso que cheguem, com urgência, às empresas.
O Programa Reforçar, para promover a redução do endividamento das micro e pequenas empresas, anunciado em julho deste ano, não pode, agora, ser posto em causa. Na execução do Portugal 2020, não podemos deixar escapar oportunidades para aproveitar as verbas já contratualizadas. É preciso acelerar as negociações com a Comissão Europeia para o Acordo de Parceria com vista ao Portugal 2030.
NOVO CICLO POLÍTICO – Quanto ao que virá após as eleições de 30 de janeiro, resta-nos apelar à responsabilidade que caberá à classe política e aos seus protagonistas, conscientes que estão dos grandes desafios que irão condicionar o futuro de Portugal nos próximos anos. O interesse nacional terá de prevalecer sobre os interesses político-partidários. Seja qual for o resultado da vontade popular, o importante é que seja respeitada e que seja formado um novo Governo que disponha de um claro e consistente suporte parlamentar, que garanta a estabilidade política. Essa será a condição para que o início de um novo ciclo político seja oportunidade para promover as reformas que o país necessita para impulsionar a recuperação e sustentar o crescimento em bases mais sólidas e duradouras.
Podemos perder alguns meses, não podemos perder mais anos.