ANTÓNIO SARAIVA

 

DOIS DESAFIOS PARA A RECUPERAÇÃO – Em Portugal, em toda a Europa, um pouco por todo o mundo, discutem-se hoje estratégias de recuperação económica. Tenho insistido na necessidade de colocar as empresas no centro da recuperação da economia, como motor do crescimento e da criação de riqueza. Para isso, é necessário que os recursos de que vamos dispor a partir do próximo ano – mais abundantes, mas sempre escassos – sejam alocados para robustecer as empresas, através de instrumentos dirigidos à sua capitalização, do estímulo a fusões e concentrações, de uma forte aposta na formação para qualificar e requalificar os recursos humanos. Para além desta orientação, dois grandes desafios a vencer, que já se vinham a desenhar, mas que se revestem hoje de uma nova acuidade e de novos contornos.  

O primeiro desses desafios será resistir a um movimento pendular que, dos excessos de globalização mal-enquadrada, se arrisca agora a conduzir-nos ao isolacionismo, gerador de conflitos, e à retração nos fluxos de pessoas, mercadorias e investimentos. A crise que vivemos é propícia a que, mais uma vez e com riscos acrescidos, a globalização seja vista como a fonte de todos os males. É certo que a pandemia gerou um importante alerta para a excessiva rigidez que estava a caracterizar muitas cadeias de valor, bem como para as excessivas dependências criadas em relação a determinados mercados. Haverá uma nova perceção e interiorização dos riscos associados a essas dependências, mas não se poderá, por decreto, condicionar as decisões das empresas no que respeita às suas estratégias de investimento ou aprovisionamento. O objetivo da autonomia estratégica não pode ser confundido com a ilusão da autossuficiência, com o consequente fecho da Europa sobre si própria. Um movimento generalizado de retorno às bases nacionais de atividades antes realizadas no exterior e uma retração do investimento estrangeiro europeu e norte-americano trazem ameaças evidentes que temos de contrariar. 

O segundo desafio é o de inverter o declínio industrial nas economias ocidentais, sem enveredar pela subsidiação discriminatória das grandes indústrias e das grandes empresas, num regresso à conceção ultrapassada de Política Industrial como um processo de seleção a priori de vencedores. Mesmo antes da atual crise, estavam a ressurgir pressões para um relaxamento das regras de concorrência e da concessão de ajudas públicas. Uma política perigosa, do meu ponto de vista, a que é preciso resistir, já que conduziria a distorções de concorrência no mercado único europeu, particularmente prejudiciais às empresas dos países com menor capacidade financeira para levar a cabo este tipo de política. 

No quadro do seu Plano de Recuperação, a União Europeia deve desenvolver, não uma política industrial dirigista, mas uma estratégia que vise melhorar as condições que incentivem as empresas de todas as dimensões a investir, inovar e crescer. 

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