ANA PAULA MARTINS

ACREDITAR NA MUDANÇA

QUE SAÚDE PARA O SÉCULO XXI?

Estamos a mais de duas décadas do século XXI, atravessámos uma pandemia e temos muitos desafios a nível geopolítico na Europa e no mundo. E temos ainda uma enorme escassez de recursos humanos qualificados nas áreas de saúde, tecnologias, engenharias.

Novas profissões emergem de uma transformação significativa das políticas ambientais e de uma autêntica revolução nas tecnologias de informação, com destaque para novas inteligências: digital e artificial. Temos gerações de pessoas para quem um projeto de vida passa pelo equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar, que valorizam o tempo como um recurso precioso, focado em atividades que as diferenciem e as façam viver de forma autónoma, independente e positiva.

Podemos ter opiniões diversas sobre os acontecimentos, sentimentos contraditórios sobre as tendências do nosso mundo contemporâneo, mas a realidade ultrapassa os debates, convoca processos de mudança e promove a clarificação do que verdadeiramente defendemos. Este é um tempo em que a opacidade não tem espaço, em que a clareza das ideias se impõe, em que a transparência se exige.

Mas é também, e sobretudo, um tempo em que opiniões diferentes devem ser debatidas, com argumentos sólidos, concretos, claros para as pessoas. Em que as promessas precisam de se transformar em compromissos. E os compromissos em resultados que mudem para melhor a vida das pessoas. Que lhes devolvam a esperança no seu quotidiano, que sejam realistas, que respondam aos seus anseios, mas que nunca lhes tirem o dever da responsabilidade humana, da solidariedade para a qual a independência e a autonomia são essenciais. Devolver a matriz humanista e universalista a Portugal é provar que é possível ter boas políticas para o desenvolvimento do país, sem uma visão assistencialista e medíocre da sociedade.

Direito à saúde

Neste contexto complexo e incerto, as políticas de saúde são antes de mais a garantia de que o acesso aos cuidados de saúde se faz a tempo e horas. Não depois, se possível antes. Mas sempre numa perspetiva de segurança para as pessoas, de que lhes asseguramos o direito à saúde conforme consta da Constituição da República Portuguesa. O direito à proteção da saúde é um direito fundamental, reconhecido como um direito social positivo em que o Estado não pode abster-se de agir.

Concretizar um Serviço Nacional de Saúde que garante a universalidade na cobertura depende fundamentalmente do acesso de todos os portugueses a recursos humanos da saúde. O que implica uma colaboração inteligente, programada, previsível e articulada com os setores social e privado da saúde. Significa assumir que vivemos num Sistema Nacional de Saúde, em que todos fazem parte, em que existem regras claras e transparentes de trabalho conjunto, de serviço público.

Trata-se claramente de contratualizar não exclusivamente a prestação de cuidados, mas, igualmente importante, conjugar esforços na área da prevenção, da promoção da saúde, na investigação e desenvolvimento. Onde a inovação seja o motor de um programa para um desenvolvimento sustentável. Onde as preocupações ambientais na saúde sejam assumidas finalmente como um facto de combate a custos evitáveis. Um pacto social com os agentes da saúde. Onde cada um contribua com o que de melhor tem numa perspetiva de desenvolvimento. Com uma ambição de recolocar Portugal no ranking dos melhores sistemas de saúde da Europa.

Por duas razões essenciais: porque não existem pessoas felizes sem saúde e porque um bom sistema de saúde atrai investimentos, atrai capital humano, atrai os mais jovens e os mais velhos e distingue-nos sob o ponto de vista civilizacional. E dá-nos a confiança de que as nossas famílias precisam para residir em Portugal e viver em plenitude com os seus filhos e os seus netos. Haverá maior contributo intergeracional do que este?

Garantir metas

E se a saúde é um direito fundamental, uma obrigação constitucional do Estado, exige um investimento planeado, plurianual com a preocupação de garantir as metas em saúde inscritas no Plano Nacional de Saúde. Todos queremos o mesmo, todos desejamos mais saúde para os nossos concidadãos. Mas a forma de lá chegar é diversa e define-nos. E é absolutamente determinante que o que pensamos, como o pensamos fazer e em que tempo o faremos seja claro para a comunidade que servimos.

É que temos andado tão distraídos, que nos esquecemos de dizer a verdade às pessoas. E, sem verdade, não há políticas que resistam. Sem verdade, não há democracia. Sem verdade, sem compromisso, não há confiança. E sem confiança não há esperança. E por isso, temos mesmo de acreditar em nós enquanto povo, enquanto comunidade. Na nossa capacidade de não nos resignarmos ou rendermos ao que nos vendem como inevitável.

Listas de espera para cirurgias e consultas, falhas de humanização por condições precárias de trabalho, atrasos significativos na requalificação tecnológica. Políticas ativas de envelhecimento saudável, de combate aos comportamentos aditivos. Uma absoluta indiferença pelas condições de saúde das nossas comunidades migrantes e populações ultravulneráveis. Somos isto? Não somos. Somos um povo de matriz universalista e tolerante. E é essa matriz que nos fez consagrar a saúde como um direito e um dever constitucional do qual não podemos abdicar.

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