ALEXANDRE MESTRE

PRIORIDADES GOVERNAMENTAIS – Desporto e atividade física: da Emergência à Urgência e à Cadência! O confinamento em casa, em tempo de estado de emergência, trouxe, talvez como nunca, ao de cima, uma unanimidade em torno da prioridade que (afinal!) deve ser a aposta na atividade física e no desporto. Aqui e em diversos outros contextos o tenho afirmado: o Estado tarda em reconhecer a importância do desporto e da atividade física. Parente pobre orçamental, segunda linha na orgânica dos governos, desperdício de oportunidades que poderiam emergir da interseção com outras políticas públicas, nomeadamente na saúde. Etecetera e mais um enorme etecetera de argumentos que eu, como muitos outros, avanço, mas que caem em saco roto. Somos até por vezes criticados por desvalorizarmos sinais muito positivos que nos estarão a ser dados. Ingratos, cegos, parciais, pessimistas, é o que somos. Está tudo bem. Pois assim seja. Congelemos, esqueçamos estas nossas reflexões e reivindicações, até porque estamos enganados. Ok. Siga. Vamos vivendo assim. Quase vencido (mas não derrotado) pelo cansaço na luta descrita no parágrafo anterior, o Caso Marega motivou-me a formular publicamente propostas de melhoria, pela via legislativa, do combate ao racismo e demais flagelos à ética desportiva. Depois desse modesto contributo, preparava-me para partilhar publicamente angústias, vivências, convicções e propostas em torno da autêntica via sacra (pela Administração Pública e pelo Governo) que vai do pedido de concessão de um estatuto de mera utilidade pública até à obtenção do estatuto de utilidade pública desportiva por uma federação. Trata-se de tema que deve ser conhecido e discutido, mas que, não sei bem porquê (ou talvez saiba), se mostra esquecido, apagado. Mas eis que esse tema cedeu ao aparecimento do Coronavírus, não podendo este artigo fugir a tão incontornável quanto indesejável agenda. 

Pandemia em torno do desporto – No momento em que escrevo, é impossível estimar a dimensão dos estragos da pandemia, em tudo, e, claro está, também no desporto, setor em que a preocupação é igualmente muito grande. Como sobreviverão clubes, coletividades, associações e federações? Que efeitos advirão para o tecido empresarial, nomeadamente ginásios, sociedades desportivas, fabricantes, distribuidores, retalhistas e tudo o que de comércio, serviços e indústria tem girado em torno do desporto? Que reflexos da suspensão de eventos desportivos? E, mais importante ainda, o que vai acontecer aos recursos humanos do desporto, às pessoas que empregam e se empregam no desporto? Tanta pergunta, tanto dilema, tanta incerteza, tanto medo. A reclamarem muita coragem, muita energia, muito apoio, muita solidariedade, no momento do reerguer, na fase do day after, que se espera seja (para) breve 

Atividade vital – Mas há em todo este contexto um fenómeno que eu gostaria de destacar como muito positivo e que (desculpem, lá tenho de ir novamente ao congelador) me anima em face do que descrevi no primeiro parágrafo deste texto. É que o confinamento em casa, em tempo de estado de emergência, trouxe, talvez como nunca, ao de cima, uma unanimidade em torno da prioridade que (afinal!) deve ser a aposta na atividade física e no desporto. Desde logo no decreto que o Governo aprovou, de execução da declaração do estado de emergência efetuada pelo decreto do Presidente da República (no momento em que escrevo, infelizmente, já se dá como adquirida a extensão ou, pelo menos, a renovação das medidas). Nesse (primeiro) diploma legal é positivo constatar, desde logo, que o Governo, e bem, se preocupou em assegurar aos portugueses “deslocações de curta duração para efeitos de atividade física, sendo proibido o exercício da atividade física coletiva.” Deixando de lado o conceito jurídico indeterminado de “curta duração” e o não se esclarecer o onde, o quando e o quantos ao mesmo tempo, trata-se de uma medida que, num cenário de supressão de direitos, e de inevitável encerramento de infraestruturas desportivas fechadas, revela a noção do Governo da importância de os portugueses manterem corpo e mentes sãs e para isso, no quadro das “atividades recreativas, de lazer e diversão”, a atividade física é tida como vital. 

Alto rendimento – Em segundo lugar, quando tantas vezes se vê que o alto rendimento não tem os apoios necessários e suficientes para almejarmos mais pódios e diplomas, revelou-se também positivo não encerrar as infraestruturas desportivas às “atividades dos atletas de alto rendimento”, para além de se equiparar tais atividades a “atividades profissionais” – viabilizando desde logo a deslocação para efeitos de desempenho da atividade profissional. E sem esquecer os treinadores dos atletas de alto rendimento e os “acompanhantes desportivos do desporto adaptado”. Confiando que essa medida teve por base a garantia de que a saúde pública de tais agentes desportivos e, reflexamente, de todos os demais cidadãos, fica salvaguardada, é outra decisão a merecer aplauso, porque também denota uma feliz prioridade governamental (motivada é certo, e muito, pela sensibilização feita nesse sentido, de forma pública e privada, pelo movimento associativo). 

Um bem essencial – Uma terceira nota muito positiva foi revelada pelas redes sociais. Tantos e tantos portugueses a mostrar que em casa (ainda que sem a desejável orientação técnica por profissionais qualificados) é também possível mantermo-nos ativos, fazendo atividade física. Numa corrente imensa e contagiante aqui no bom sentido da palavra – reveladora de que o confinamento criou e/ou reforçou a noção de que atividade física e desporto são… um bem essencial! 

Com estas consensuais prioridades só se pode esperar algo de bom para o day after: passar da atividade física e desporto em estado de emergência para uma fase de urgência e de cadência. Assim seja!