MAIS DESPORTISTAS E TURISTAS EM PORTUGAL: A (À) ATENÇÃO DO LEGISLADOR
Turismo e Desporto em Portugal: eis um binómio que encerra várias vertentes, e inerentes oportunidades. Estará o legislador focado em dar prioridade a este binómio?
Antes de procurar a resposta, importa delimitar a abrangência conceptual do referido binómio.
Há, desde logo, um “Turismo para praticar”, ou “Desporto turístico”, em que os turistas procuram Portugal para praticar desporto, atraídos pelas instalações, pelos eventos em concreto e pelo clima propício. Pense-se, por exemplo, no golfe ou numa meia-maratona.
Temos, em segundo lugar, o “Turismo para ver”, aquele em que turistas vêm a Portugal, como espetadores para assistir a uma competição desportiva, designadamente campeonatos europeus e mundiais de distintas modalidades, ou o Rally de Portugal. Até pode haver mau tempo – o que é raro, sendo o clima, à inversa, um fator de “chamamento” a Portugal, porquanto quase sempre bom – e até pode um espetáculo ter bilhetes muito caros, mas essas contrariedades pontuais não constituem obstáculo, tal a paixão do adepto pelo seu clube ou seleção, pelo atleta compatriota, pelo evento em si ou pela modalidade desportiva em concreto.
Identifica-se ainda o Turismo em que o desporto é parte ou complemento: os turistas procuram cada vez mais férias integradas, e diversificadas, em que juntam visitas a monumentos, experiências gastronómicas, eventos culturais, e o acesso ao desporto, como praticantes ou espetadores. Caso paradigmático, que envolve os cidadãos portugueses, é o turismo promovido pela Fundação INATEL.
Autonomizamos ainda aquele turismo que resulta de atletas, individualmente ou em equipas, bem como respetivas famílias e amigos, que escolhem Portugal para a prática desportiva – por razões naturais, infraestruturais e técnicas – mas também porque tal se conjuga com demais ofertas e interesses. São disso exemplo as delegações estrangeiras que escolhem os nossos centros de alto rendimento ou clubes de futebol que fazem estágios de pré-época no Algarve.
Legislação envolvida
Aqui chegados, reforça-se a pergunta: dará o nosso legislador guarida ou a devida aposta/resposta a estas diferentes variantes de um muitas vezes chamado Turismo Desportivo, ou, quando envolva atividade física e desportiva, o Turismo Ativo? Não cremos e explicamos sumariamente porquê.
A Constituição não faz menção expressa ao binómio em análise, ainda que aluda a conceitos como “qualidade de vida” dos cidadãos e direito ao “lazer” dos trabalhadores. Por sua vez, se mirarmos a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, encontramos uma singela referência ao “turismo na natureza”, a propósito da prática do desporto no meio natural, o que é pouco, enquanto na Lei de Bases do Turismo o desporto é omisso, ou seja, é nada. Podemos, apenas,tentar inferir uma preocupação com o desporto no conceito de “lazer”. Ora esta pouca atenção do legislador transmite ao decisor político a ideia de que não estamos perante uma prioridade.
Já na legislação infraconstitucional, vários são os exemplos da atenção do legislador, o que, à partida, é de valorizar, mas cremos que, apesar de alguns sinais positivos, ainda estamos longe do necessário e suficiente. Vejamos.
Pela positiva, destacamos o facto de se exigir legalmente que nos “parques de campismo e de caravanismo” 15% da área seja afeta a “espaços livres e de instalações positivas”; ou o integrar-se “os equipamentos de desporto e lazer” nos requisitos mínimos legais para que operem os “conjuntos turísticos” – são dois exemplos de como a lei promove o “direito ao desporto”, constitucionalmente tutelado, pensando nos turistas (nacionais e estrangeiros, logo também com foco no aumento da prática desportiva).
Registe-se ainda que é de saudar o facto de o Regime Jurídico das Federações Desportivas valorizar, para efeitos da concessão do estatuto de utilidade pública desportiva às federações, o “relevante interesse desportivo nacional” de quem prossiga “(…) uma atividade desportiva que contribua para o desenvolvimento desportivo do país, ou de algumas das suas regiões, através da organização de provas, eventos desportivos ou manifestações desportivas suscetíveis de projetar internacionalmente a imagem de Portugal”. Falta, porém, valorizar, ao nível da contratualização de apoios às federações desportivas, aquelas que promovem atividades e constroem infraestruturas de vocação turística e, já agora, majorando financeiramente os casos em que tais iniciativas promovam o respeito pelo meio ambiente/por um desenvolvimento sustentável.
Animação turística
Assinale-se igualmente que a legislação sobre agentes de animação turística abrange múltiplos serviços desportivos, ou seja, normas que enquadram a oferta de muitos desportos tidos por radicais, de aventura ou extremos, abrangência que, naturalmente, reputamos de positiva. Mas falta enquadrar normativamente a habilitação técnica (e até os conhecimentos ambientais) dos formadores, a quem se pede que, sem formação prévia adequada, saibam enquadrar múltiplas atividades com algum perigo (por exemplo, rapel, rafting, parapente e hydrospeed).
Por outro lado, não é lógico que quando estejam a orientar atividades regidas por uma federação desportiva (vela, remo, canoagem, natação, montanhismo, surf, entre outras), não lhes seja exigida expressamente uma cédula de treinador de desporto emitida pelo IPDJ. Acresce que se lhes pede que sensibilizem/eduquem os utentes desportistas do ponto de vista ambiental, também aqui sem garantir habilitação prévia para o efeito.
Noutro plano, existe na lei a figura do “patrocínio desportivo”, não como uma forma de publicidade, mas sim uma via de financiar agentes desportivos que projetem internacionalmente o nome do país, bem como as pessoas singulares ou coletivas que promovam ou organizem eventos desportivos. Todavia, tanto quanto se julga saber, não se tem utilizado muito esta base jurídica, o que lhe retira efeito prático bastante, devendo repensar-se a sua base jurídica e implementação.
Hotéis e empreendimentos turísticos
Por outro lado, o legislador exclui os hotéis e empreendimentos turísticos do âmbito de aplicação da Lei dos Ginásios, desonerando-os, por exemplo, de disporem de diretor técnico e técnicos de exercício físico (com título profissional emitido pelo IPDJ), ou de um regulamento interno, o que pode, por vezes, colocar em crise a saúde, segurança e higiene dos utentes, entregues a si próprios, sem orientação técnica. E ao mesmo tempo, criam-se menos postos de trabalho.
Não sendo esta uma análise exaustiva, já nos parece a suficiente para identificar espaços de melhoria, ou seja, de mudanças a adotar pelo legislador, com reflexos certamente nas orientações estratégicas dos decisores políticos, com vantagem para, em simultâneo, termos mais desportistas e mais turistas em Portugal.