ALEXANDRE MESTRE

O DIREITO E A PRÁTICA DESPORTIVA DOS CIDADÃOS COM DEFICIÊNCIA

 Os cidadãos com deficiência deparam-se com inúmeras barreiras, de diferente índole, no acesso à prática desportiva, que lhes restringem ou impedem exercer o seu direito ao desporto.

O desporto assegura ao cidadão com deficiência mais saúde física e psíquica; permite-lhe ganhar autonomia e independência, logo liberdade; ajuda-o a melhorar a imagem, a confiança e a autoestima; confere-lhe competência e proximidade social; dá ao cidadão com deficiência novos sentidos e perspetivas à vida. Assim, os fins prosseguidos pelos cidadãos com deficiência quando procuram praticar desporto são essencialmente três: terapêuticos; lúdico-sociais; competitivos. O chamado Desporto para Todos abrange os dois primeiros; o Desporto de Excelência, em cujo topo se encontra o Desporto Paralímpico, encerra a dimensão competitiva.

Lamentavelmente, os cidadãos com deficiência deparam-se com inúmeras barreiras, de diferente índole, no acesso à prática desportiva, que lhes restringem ou impedem exercer o seu direito ao desporto.

Para que os cidadãos com deficiência possam ver plenamente efetivado o seu direito ao desporto, a existência de legislação é fundamental. Tudo começa no Direito Internacional – com destaque para a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a que se segue a Constituição da República Portuguesa, da qual resulta que o direito ao desporto dos cidadãos com deficiência é um direito fundamental, seja no prisma da dignidade da pessoa humana, do livre desenvolvimento da personalidade, do princípio da igualdade, o desenvolvimento da personalidade, do direito ao desporto e mesmo de um preceito próprio para “os cidadãos portadores de deficiência”, sem olvidar as disposições referentes à saúde, à educação e ao ensino. Tal direito é conferido, ainda, em especial, a específicos escalões etários da população, concretamente à “Juventude” e à “Terceira idade”.

Da conjugação dos diferentes comandos constitucionais resulta que o cidadão com deficiência, na sua vida, em geral, e na prática desportiva em particular, não pode ser objeto de qualquer discriminação inadmissível ou injustificada, e pode exigir do Estado a adoção de medidas tendentes à remoção de obstáculos que impeçam a sua participação desportiva em igualdade de circunstâncias com os demais cidadãos, e que lhe facilitem uma participação social digna e útil através do desporto.

Ordenamento jurídico português

No ordenamento jurídico português há diversas leis de base nas quais também se funda o direito do desporto dos cidadãos com deficiência, na dupla vertente Desporto para Todos e Desporto de Excelência: a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto; a Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência; a Lei de Bases do Sistema Educativo; a Lei de Bases da Saúde. Não faltam aqui também fontes, entre outras, no plano infraconstitucional, quer legislação mais especificamente ligada ao desporto, quer a mais geral com incidência também no desporto.

No que concerne aos instrumentos normativos mais específicos, destacam-se os que versam sobre matérias como: (i) acessibilidades; (ii) seguro desportivo obrigatório; (iii) legislação sobre Educação Física e Desporto Escolar, e a recente legislação sobre a formação desportiva; (iv) criminalização do abuso sexual de cidadãos menores com deficiência; (v) legislação sobre o mergulho recreativo ou amador, que autonomiza a figura do mergulho adaptado; (vi) medidas de apoio no alto rendimento; (vii) medidas de apoio às seleções e outras representações desportivas nacionais; (viii) medidas de apoio no pós-carreira; (ix) concessão direta de apoio financeiro ao movimento associativo; (x) fiscalidade; (xi) governança; (xii) comunicação social; (xiii) combate à dopagem; (xiv) proteção jurídica das propriedades paralímpicas.

No que toca a legislação mais geral, com incidência também no desporto, destacamos os seguintes mecanismos de acolhimento e acompanhamento de população vulnerável, designadamente dos cidadãos com deficiência: (i) Cuidadores Informais; (ii) Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI); (iii) Lares Residenciais; (iv) Serviço de Apoio Domicilário; (v) Acolhimento Familiar de Idosos e Adultos com Deficiência; (vi) Centros de Atendimento, Acompanhamento e Reabilitação Social para Pessoas com Deficiência e Incapacidade; (vii) Centros de Atividades Ocupacionais; (viii) proibição e discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde; (ix) relações laborais, designadamente no Código do Trabalho e na legislação avulsa que fixa um sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%.

Lacunas da lei

Aqui chegados, resulta evidente que sobram fontes normativas com base nas quais se tutela o direito do cidadão com deficiência ao desporto, na sua ampla definição (abrangendo o direito do praticante e do espetador) e na dupla vertente do Desporto para Todos e do Desporto de Excelência, maxime Desporto Paralímpico. Mas não se mostra suficiente, porque ainda há lacunas e outras necessárias vias de ação.

De facto, a lei tem algumas lacunas ou carece de alguns aperfeiçoamentos, por exemplo: (i) em sede de vital redução do IVA; (ii) na necessidade de incluir expressamente o Comité Paralímpico de Portugal no ‘Estatuto do Mecenato Desportivo’ e no Estatuto do Dirigente Desportivo em Regime de Voluntariado; (iii) no reforço de uma representação adequada dos cidadãos com deficiência nos órgãos com poder de decisão das organizações desportivas, designadamente através de mecanismos de discriminação positiva/ações afirmativas (“Nada sobre nós sem nós”); (iv) no reforço do enquadramento jurídico da formação de recursos humanos especializados, designadamente em sede da Lei dos Ginásios, da Lei dos Treinadores e da legislação referente à animação turística e aos campos de férias; (v) em matéria de investigação aplicada.

Ademais, se ainda é insuficiente o número de cidadãos com deficiência a praticar desporto em Portugal, o problema não estará fundamentalmente na produção legislativa. Sem curar de explorar razões conexas com políticas públicas, diremos que, o que poderá eventualmente estar em falta é divulgar, informar e fiscalizar melhor a lei existente, porquanto do enforcement da lei também depende, e muito, a efetivação do direito ao desporto dos cidadãos com deficiência.

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