QUO VADIS DESPORTO? MODELO EUROPEU OU MODELO AMERICANO? – No passado dia 15 de dezembro de 2022, assinalou-se a passagem de 27 anos do Acórdão Bosman, decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) que revolucionou o mundo do futebol, aplicando as regras da livre circulação de trabalhadores aos futebolistas profissionais. o mercado de transferências nunca mais foi o mesmo por força do Direito Comunitário.
O marco do Acórdão Bosman, que todos os anos é lembrado, foi totalmente abafado por ventos novamente oriundos do Luxemburgo: foram publicadas as Conclusões do advogado-geral (AG) Athanasios Rantos em dois processos muito importantes conexos com o desporto, um deles, o mediático caso que opõe a empresa criada para estabelecer a Superliga (European Super League Company SL) à FIFA e à UEFA. O agora chamado Direito da União Europeia poderia ter começado ontem uma nova revolução, com o princípio do fim do Modelo Europeu do Desporto. Mas, felizmente, assim não foi.
JURISPRUDÊNCIA PRESENTE
Pode dizer-se que a jurisprudência criada pelo Acórdão Bosman esteve bem presente nas Conclusões de Rantos, designadamente ao assinalar a “importância social considerável” do futebol, que visa o equilíbrio entre clubes, a igualdade de oportunidades, a incerteza dos resultados, a integridade das competições. A isto o AG somou a preocupação das regras competitivas do futebol moderno com a proteção da saúde, a segurança dos jogadores, a solidariedade e a redistribuição de rendimentos. Acresce a expressão fundamental: “especificidade do desporto”. Ora tudo isto é acolhido no artigo 165.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que sustenta a “dimensão europeia do desporto”, assim como a “abertura” e a “equidade” das competições. Este preceito, que para Rantos é o “reconhecimento constitucional do modelo europeu do desporto”, cerra portas a uma liga elitista e fechada como a putativa Superliga, vista por muitos como uma breakaway league, mas pelo AG mais como uma “liga concorrente no ecossistema da UEFA”. No atual modelo de governança, que é piramidal, as federações assumem, diz o AG, um “papel central”, e a chave de entrada nas competições é o “princípio de participação fundado nos resultados desportivos”, isto é, o “princípio do mérito desportivo”, e não aderir por convite ou pagamento de franquia.
Ao longo de 49 paginas muito bem fundamentadas e estruturadas, o AG desmontou os argumentos da European Super League Company SL, propondo ao TJUE que decida no sentido de que normas estatutárias, como as que FIFA e UEFA consagram para garantir o seu monopólio, não violam nem o direito da concorrência nem as liberdades fundamentais da UE.
Aguarda-se para o primeiro semestre deste ano o acórdão do TJUE. Caso a decisão convirja no sentido das Conclusões do advogado-geral (as quais não são vinculativas), o desporto europeu continuará a ter fins comerciais, mas igualmente preocupações sociais, educativas, éticas, de segurança e de saúde pública.
MODELO EM PERIGO
Mas enquanto aguardamos pelo desfecho final, importa assinalar o que se passa intramuros, bem conexo com o que acabámos de enquadrar, mas pouco falado: refiro-me à forma como a legislação portuguesa trata o modelo europeu do desporto (em particular o Regime Jurídico das Federações Desportivas) e a interpretação que à mesma é dada pelos poderes públicos, leia-se, em particular, a Secretaria de Estado da Juventude e Desporto e Juventude.
Situações concretas recentes demonstram que, em Portugal, pode estar em perigo o modelo piramidal desportivo. Na verdade, a lei exige que para se ser federação desportiva dotada do estatuto de utilidade internacional reguladora da modalidade (em regra uma federação desportiva internacional, a única que o Comité́ Olímpico Internacional reconheça), sendo que para os nossos poderes públicos essa organização desportiva internacional pode ser uma empresa que organiza eventos da modalidade: Sem mais considerações (relevantes e evidentes) de outra natureza, esta é manifestamente uma visão de um modelo… americano do desporto.