LEGISLAR NO E PELO DESPORTO DE QUE ESTÁ À ESPERA O GOVERNO? Também no desporto se constata que a quantidade de legislação não tem correspondência na quantidade de praticantes desportivos. As estatísticas são conhecidas e por mais que sejam descredibilizadas continuamos na cauda da Europa. Não constitui novidade para ninguém: nós somos um País em que o Estado é ainda muito intervencionista e uma das vias de materializar esses ímpetos é através da adoção de atos legislativos. E não é preciso ser jurista ou consultar diariamente o Diário da República para o perceber: é algo que os cidadãos percecionam necessariamente no dia a dia, no exercício dos seus direitos, no cumprimento dos seus deveres, e na sua atividade laboral, pública ou privada. Abundam leis, decretos-lei, portarias, despachos e afins. Governo e Assembleia da República produzem mesmo muita legislação.
Encontrar o equilíbrio – Pergunta-se: há um nexo de causalidade, uma causa-efeito entre a legislação que se produz e o desenvolvimento do país? Claro que não. Mas também se pergunta: muitos desses atos não são necessários por força de sermos um Estado-membro da União Europeia? Sim, é verdade. E também não é verdade que o Estado, nas vestes de legislador, pode ser responsabilizado se pecar por omissão? Sim, sem dúvida. Então, o que falta? Falta encontrar o equilíbrio. E onde está esse equilíbrio? Não é fácil, bem sei. Mas importa procurar legislar apenas se quando tal for um valor acrescentado, só quando tal se revelar útil e necessário para os destinatários das normas.
Na Grécia Antiga dizia-se que a anarquia era a anomia, ou seja a ausência de leis, mas também nesse tempo se invocava que muita lei … mata a lei. Precisamos de certeza jurídica, de segurança jurídica, de dar tempo e espaço para que a lei seja aplicada no terreno e se perceba o seu grau de eficácia. Além do mais há aquele argumento tantas vezes invocado quanto ignorado: qual o investidor estrangeiro que aposta num país instável normativamente, sem uma matriz legislativa estável?!…
Legislação existente – Aqui chegados, surge a pergunta: e na área do desporto também assim é? Sim, não foge à regra, mais a mais quando grande parte da legislação existente gira em torno das federações desportivas, que exercem em nome do Estado um conjunto de poderes, carecendo o exercício desse estatuto de utilidade pública desportiva de diversa legislação. Ademais, temos, a montante, um comando constitucional específico para o desporto e outros em que a Lei Fundamental faz alusão ao desporto, como à cultura física e à educação física.
Na prática, algo é evidente aos olhos de qualquer um: são muitas, mesmo muitas, as áreas em que o legislador nacional intervém. Não esgotando todas essas áreas, partilho aqui algumas para que o leitor me acompanhe na constatação de quão exaustiva é a lista. O legislador estadual intervém no plano dos agentes desportivos (praticantes, empresários, treinadores, dirigentes); das organizações desportivas (clubes, sociedades desportivas, associações promotoras de desporto, Comités Olímpico e Paralímpico); das entidades privadas prestadoras de serviços desportivos (ginásios, mergulho desportivo, animação turística); da medicina desportiva; do seguro desportivo; das infraestruturas desportivas; do financiamento do desporto; das apostas desportivas; da fiscalidade no desporto; do alto rendimento; das seleções nacionais; dos prémios; da Ética desportiva (dopagem/corrupção/violência associada ao desporto/racismo/xenofobia/intolerância nos espetáculos desportivos/luta contra a manipulação de resultados desportivos e tudo o mais que ponha em causa a lealdade, verdade e transparência das competições); da justiça desportiva… e vou parar por aqui. Há que respirar fundo. Ora também no desporto se constata que a quantidade de legislação não tem correspondência na quantidade de praticantes desportivos. As estatísticas são conhecidas e por mais que sejam descredibilizadas continuamos na cauda da Europa.
Perguntas ao Governo – Perguntará o leitor: muito bem, e onde quer chegar, que mensagem afinal quer tentar transmitir hoje? Pretendo apenas deixar seis perguntas ao Governo (podiam ser mais…) que servem ao mesmo tempo de sugestão para mudanças legislativas. Nestas quase duas legislaturas não curou de olhar para estas questões mas está mais do que na hora. Pergunto:
- Porque tarda a revisão do Estatuto do Dirigente Desportivo em Regime de Voluntariado, decreto-lei de 1995? Não queremos manter e atrair o dirigismo benévolo?!
- Porque tarda um regime jurídico para o treinador de desporto, que não se fique pelo acesso à profissão mas também cubra (à semelhança do que sucede com o praticante desportivo) o exercício da profissão? Os nossos tribunais, na encruzilhada entre a aplicação analógica do regime do praticante e uma aplicação do Código do Trabalho que não encaixa na realidade do treinador, muito agradeceriam… [e já nem falo da questão da profissionalização dos árbitros, “dormente” desde um relatório de um Grupo de Trabalho de 2012…]?
- Porque não se revê o decreto-lei das sociedades desportivas, de 2012, que pese embora evidentes avanços positivos então dados, carece de urgente adequação, desde logo para dar resposta a múltiplas questões que emergiram desde então de situações que o legislador compreensivelmente não imaginaria que viessem a suceder – refiro-me ao conflito entre “Belenenses clube” e “Belenenses SAD”?
- Porque continua a pagar-se 23% de IVA (taxa máxima!) para se aceder a uma infraestrutura desportiva?
- Porque não se revê a legislação dos ginásios, de 2012, ainda hoje inovadora em muitos pontos a nível mundial, mas que já não dá resposta a várias questões, designadamente a realidades como o online fitness e o outdoor fitness?
- Porque não se revê a Lei do TAD, para que este Tribunal – que ajudei a criar e que continuo a defender como a melhor solução para a resolução alternativa de conflitos desportivos – possa ser mais célere, mais funcional e mais barato?
Envolvimento do Governo – Todas estas questões já foram levantadas por mim noutras ocasiões, mas antes ou depois, por muitos outros. Sobram posições político-institucionais, documentos técnicos/de trabalho, excelentes artigos doutrinários, múltiplos contributos em conferências, até avisos dados pela jurisprudência… o que demonstra que estes são manifestamente aqueles casos em que legislar será um manifesto valor acrescentado. São casos de equilíbrio, de ímpeto reformador e não de desnecessário aumento do acervo legislativo, de puro ímpeto intervencionista. Algumas destas matérias são de competência do Governo, outras têm de passar pela Assembleia da República, mas por motivos óbvios carecem de envolvimento do Governo, sendo expectável que deste surja o “pontapé de saída”. Assim sendo… de que está à espera o Governo?!