O PAI, O ÁRBITRO, O TRIBUNAL E O DEVIDO RESPEITO – No mês passado a imprensa, e muito bem, deu conta da condenação judicial de um adepto por agressão de um árbitro. Não estamos propriamente perante uma novidade, uma vez que se conhecem já diversas decisões judiciais sobre este tema. Mas, em todo o caso, havia aqui um elemento que nos chamou particular atenção: a agressão surgiu numa competição desportiva entre crianças e foi perpetrada pelo pai de uma delas.
É certo que, lamentavelmente, também não constitui novidade que pais de crianças e jovens desportistas sejam instigadores ou eles próprios autores materiais de atos violentos em recintos desportivos, mas, ainda assim, a reiteração não nos pode mitigar a atenção nem a repulsa perante tão triste fenómeno. Com a ajuda do árbitro em causa e do respetivo mandatário, a quem muito agradeço a disponibilidade, consegui obter a sentença. Estão ambos de parabéns: porque foram à luta, em defesa não só da integridade física do árbitro, que antes disso é um cidadão, mas porque buscaram junto do Tribunal uma decisão que possa ser um exemplo para o futuro, evitando réplicas. E isso, que já é muito, foi conseguido.
Atitude intolerável – Não é admissível, é totalmente intolerável, que um pai, no quadro de um torneio de futebol com crianças nascidas em 2009/2010, atinja um árbitro com um murro, na surpresa daquele. É, como bem decidiu o Tribunal, de Idanha-a-Nova, uma conduta “manifestamente excessiva como forma de demonstrar o seu descontentamento face à derrota sofrida pela equipa de futebol do seu filho”. Trata-se de um crime de ofensa à integridade física, materializado num contexto em que o que se espera é o oposto, a vivência e o ensino de princípios, de regras e de valores junto de miúdos que se estão a formar física mas também psiquicamente, que estão a desenvolver a sua personalidade, a formar o seu carácter… a partir dos exemplos dos mais velhos, designadamente dos seus progenitores. Agredindo o homem que atua de negro, este pai deixou uma mancha negra no desporto. Algo que nos deve convocar, a todos, para, a par da repressão, se apostar cada vez mais na prevenção, na educação, na pedagogia. Bem andou o Tribunal, não descurando uma mensagem pedagógica, ao assinalar que se revela “imperativa a educação dos que, desde tenra idade, são integrados em equipas de futebol, no sentido da rejeição de comportamentos violentos neste contexto.” E a responsabilidade primordial dessa educação é, claro, dos pais. É por isso mesmo que merecem vivo aplauso boas práticas como o PNED, o Plano Nacional de Ética no Desporto, designadamente através dos recursos que tem, especialmente focados nos pais. Em todo o caso, a repressão, a sanção, a penalização, são sempre imperiosas vias dissuasoras. Também por isso a luta deste árbitro deve ser enfatizada. Não esqueçamos, em particular, que um pai não é um agente desportivo, não está sujeito ao poder disciplinar de uma federação desportiva, pelo que, se por exemplo, foi possível a um outro Tribunal, em 2008, suspender um treinador de rugby por três anos em face de uma agressão a um árbitro, já este pai só sofreu na pele fora da “justiça desportiva” e porque houve diligências e consequências penais e civis.
Dever de proteção – Mas não caiamos no erro de nos focarmos sobretudo no agressor, centremo-nos na vítima, a sua natureza, a sua realidade. Como bem vincou o Tribunal, o “arguido sabia” que “é devido especial respeito e consideração aos árbitros desportivos”, que estão no exercício de funções “sob a jurisdição de uma federação desportiva.” Percebamos que, independentemente da sua performance (sim, há árbitros que erram, e muito…), há um cidadão, um ser humano sem o qual não há desporto competitivo, não há medição de forças… Se dúvidas há quanto ao bem jurídico a tutelar, recordemos que não é à toa que o nosso Código Penal, no artigo 132.º, tipifica como homicídio qualificado aquele praticado contra um “Juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas”. Engana-se quem pensa que o legislador só mira o árbitro desconfiando da integridade deste, por exemplo exigindo um registo de interesses ou criminalizando especificamente certas condutas; há, concomitantemente, um olhar que perspetiva um dever de proteção especial.
Boas notícias – Face ao exposto, sentenças como a que ora se assinala são boas notícias, que contrastam com aquelas em que se exclui a ilicitude de determinadas condutas apenas e só porque se está no “contexto do futebol”. Como boas notícias também defluem de um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de novembro de 2020, em que se decidiu que os insultos dirigidos ao árbitro não eram “meros desabafos”, não podiam ser enquadrados na “normalidade do jogo de futebol”, sendo, outrossim, entendidos como “expressões ofensivas da honra e consideração profissional, visando a pessoa de um árbitro no exercício de funções, funções cujas condições para um bom desempenho cumpre também acautelar e preservar”. Aqui, e bem, não se valorou em demasia a chamada “linguagem do futebol”, que muitos tribunais consideram dever ser tolerada, numa banalização do não ético, numa ausência de censura disciplinar e/ou penal relativamente a graves insultos dirigidos a árbitros que fariam muito boa gente corar de vergonha…
Aqui chegados, uma última palavra de viva saudação ao Tribunal, de Idanha-a-Nova: sentenças como esta, cujo eco creio devermos todos propagar, são fundamentais para um desporto com ética, com valores, onde se respeita a dignidade da pessoa humana. Sim, convém não esquecer: por detrás de cada árbitro há um ser humano. E se aqueles que erram, maxime dolosamente, merecem a devida condenação nos tabuleiros apropriados, não se criem medo e anátemas junto dos demais. Haja respeito.
Parabéns Doutor Alexandre Mestre pelo artigo que da um exemplo muito importante e que pode trazer grandes benefícios em comportamentos futuros porque estes casos são protagonizados na sua grande maioria pelo comportamento dos pais dos jovens.
Melhores cumprimentos.
Rui Marote
Para ajudar a ivitasituações idênticas, é necessário insistir numa formação de treinadores, que estejam preparados, para que nas reuniões com os pais (elas devem existir), utilizem uma abordagem pedagógica e formativa em relação à ajuda que os pais podem dar na formação desportiva dos seus filhos, afim de minimizar situações idênticas.
Eu questumo dizer que os pais podem ser uma extensão do treinador, ajudando o atleta na orientação da sua alimentação, no seu descanso, no cumprimento de horários, etc…
Não podemos esquecer, que para alguns miúdos, a atitude do pai, que dá duas “chapadas” no árbitro (para eles), é visto como um herói.
Esta situação faz lembrar aquele episódio com um jogador português, que agrediu um árbitro internacional e de seguida pessoas responsáveis do desporto vieram para a praça pública defender o respetivo atleta.
Mais tarde, numa entrevista televisiva, perante uma pergunta do entrevistador sobre a opinião dele sobre os árbitros, em vez de aproveitar a oportunidade para minimizar a sua atitude nao o fez, preferiu dizer com um ar de desprezo, “não me pessam para dizer bem deles”.