ADRIANO MOREIRA

JCF_2402OS RISCOS E AS DESIGUALDADES

O princípio da igual dignidade das Nações não corresponde a uma igualdade dos Estados, porque a primeira diz respeito a valores, e a segunda, à igualdade na hierarquia dos poderes, que logo nos tratados que formalmente a prometem também se inscrevem as exceções. O exemplo evidente é o da Carta da ONU, onde o Conselho de Segurança acolhe a evidência, embora datada e modificada pelo tempo, de que reconhecem Estados mais iguais que os outros, com o direito de veto a servir de premissa dos privilégios. Mas esse tema das desigualdades tem como parceiro temático a também crescente inquietação com a ameaçadora desigualdade que a globalização igualmente transforma em problema de qualidade de vida das populações, autonomizando até um capítulo sobre a Economia das Desigualdades. Esta trata da “maioria deserdada”, consequência de muitas causas, entre as quais sempre o mau governo, designadamente nas políticas públicas, diretivas da evolução científica e técnica, da eventual submissão forçada dos poderes de governo à liberdade sem regras dos interventores de que os serviços de regulação financeira nem sempre dominam os centros, frequentemente desconhecidos, de decisão no anonimato, o que tudo afeta a eficácia das normas salariais legais, a intervenção responsável dos sindicatos e a racionalidade da fiscalidade legal a ser desfeiteada pela realidade dos factos. Acontece, porém, que a outra igualdade, a das Nações, também é atingida com mais frequência do que a vida internacional tranquila necessita, com exemplos de que a história não consente o esquecimento, desde que se pretenda contribuir para a não repetição, porque a novidade dos riscos é suficiente para enriquecer o domínio da imprevisibilidade. A União Europeia está ela própria, como organização, a ser alterada, a sua circunstância, em termos que afetam, alteram, enfraquecem, fazem esquecer os objetivos dos fundadores, com membros aos quais também não falta experiência específica dessa eventualidade. Por exemplo, recordemos que Portugal não escolheu a neutralidade colaborante da última guerra mundial, aconteceu-lhe estar no traçado da estratégia americana, numa data em que Timor sofria a brutalidade da ocupação japonesa, e essa tragédia não constou do processo imaginativo da neutralidade garantida para os restantes territórios e povos sobre a soberania responsável portuguesa. Na Europa, quanto ao passado, talvez seja a Polónia o exemplo mais severo, e repetido, de lhe acontecer ser a nação pior estacionada do continente, com severos tributos pagos aos interesses alheios. A simples situação geográfica transforma-se numa exigência funcional para a planificação estratégica de poderes exteriores, a fazer lembrar que o turbilhão desta entrada no século XXI não garante que os teóricos legalistas do contrato social, incluindo o internacional, não sejam desconsiderados pela rudeza com que Nietzsche chamou ao Estado “o maior frio de todos os monstros frios”. Não parece tempo para que a discussão de décimas orçamentais seja o mais preocupante dos problemas europeus.