MULTILATERALISMO E MIGRAÇÕES – Depois de ano e meio de negociações, foi assinado, em Marraquexe, em dezembro de 2018, um “Pacto Mundial para migrações seguras, ordenadas e regulares”, primeira contribuição da ONU para conseguir diretivas destinadas a enfrentar as migrações internacionais. Estas, além dos dramas das vítimas que fogem do passado sem conseguir viver algum futuro, ameaçam piorar as relações Norte-Sul, e sobretudo a relação exigente entre o multilateralismo e o unilateralismo, que já afeta o funcionamento da ONU. Esta, que anunciou dificuldades financeiras, vê crescer uma chamada “negociação de clubes”, que agora são as negociações entre potências com história e emergentes a iniciarem uma nova história. A China, caso exemplar, não consulta a ONU para avançar com o projeto das Novas Rotas da Seda, nem para recuperar o seu mar recorre ao multilateralismo para a política de descolonização, para a elaboração do direito dos mares, para a defesa do ambiente que tanta oposição enfrenta, e até para a edificação de uma justiça penal internacional, agora também em crise pela recusa de colaboração dos Estados, com júbilo manifestado pelo atual presidente dos EUA. Isto só pode ser enfrentado com êxito pelo método do multilateralismo, hoje gravemente posto em causa, designadamente no que toca a cumprir o Tratado de Paris. Todavia, no que respeita à não proliferação das armas nucleares, ou à “economia que mata”, no dizer do Papa Francisco, vigora uma agenda cautelosa. Mas é sobretudo a crise do dever de salvaguardar a paz, vista a multiplicação dos conflitos armados, e das perspetivas desanimadoras de crescer o número, que provoca a inquietação, não apenas dos analistas mas dos povos. Um dos alarmes vem da política americana, ao evidenciar que preza sobretudo o unilateralismo, dando evidentes opiniões de que o multilateralismo teve um ponto final com o fim do mandato de Obama, evidente também na América Latina. Infelizmente este conflito de métodos, entre o unilateralismo e o multilateralismo, começa a suscitar a necessidade de prever novo conflito, suscitado pela complexidade das migrações, entre a evolução da crise ambiental que ameaça destruir a habitabilidade de regiões vastas do globo, o que influenciará a mudança da natureza das migrações, porque o desaparecimento da habitabilidade não permite assumir que é o restabelecimento da ordem nos Estados de origem o único método eficaz para evitar o conflito presente entre deveres de humanidade e segurança.
Nessa hipótese, quando os avisos dos ambientalistas chamam à intervenção os governantes que se mantêm fieis ao Tratado de Paris, é um dever meditar sobre o facto de que nenhum território do globo foi predeterminado para ser o lar de uma nação, de um povo, de uma etnia: a violência armada fez parte do processo, que inclui a herança greco-romana, os bárbaros, o colonialismo, e a nossa época não pode dar por certo, sem reorganização da ordem internacional, que essa história teve um ponto final.