A perspetiva frustrada
O século passado, avaliada a circunstância da desordem atual, e comparando esta com o previsto e desejado pelos que definiram o projeto da paz de cada uma das Guerras Mundiais daquele século com a afirmada “guerra em toda a parte” que se tornou conclusão frequente dos analistas de hoje, parece conduzir a reconhecer que a sua perspetiva mais errada foi imaginar que a modernidade para que se partia, depois dos desastres, seria a expansão da ocidentalização de todas as áreas culturais. Na Primeira Guerra (1914-1918) foram extintos os Impérios Europeus, com imperativo da Carta da Sociedade das Nações, e na Segunda Guerra (1939-1945), foram extintos os regimes coloniais, sempre por ditado ocidental, sempre por intervenção diretiva dos EUA, o então mais proeminente Estado Ocidental, oferecendo frustradas esperanças de que o Atlantismo representaria o consolidado alicerce da expansão de princípios abrangentes e unificadores do “mundo único”. O evidente é que, por sua ação, as potências ocidentais mostraram não esquecer formas de superioridade que ativaram, até com conflitos militares mal justificados, mal geridos, com consequências fraturantes da proclamada ambição de unidade do globo, com mais a presente ameaça à solidariedade atlântica. A expressão da ocidentalização da ordem global teve mais sinais visíveis do aproveitamento dos avanços científicos e técnicos, da passagem acelerada da submissão agrícola à industrialização, do crescimento do fenómeno urbano, e menos sinais de adotar modelos éticos e políticos. Não aconteceu que a adoção dos avanços técnicos fosse acompanhada pelo abandono de cada especificidade cultural, com raízes milenárias como acontece significativamente com a China, e que a substituição do colonialismo ocidental pela influência adoçada pelo avanço científico e técnico rapidamente partilhado impedisse o rápido confronto com os emergentes, e com o problema da específica procura da relação de cada espaço entre o seu passado e o futuro procurado. Talvez seja mais que pessimismo, mas antes realismo, admitir que a crise do ensino das humanidades a que se assiste acompanha o outono ocidental, enquanto que a preservação e culto oriental do seu património histórico, incluindo a manutenção respeitosa das orientações religiosas, em que se distingue Confúcio, parece apoiar pacificamente, em cada área, a parte da vida habitual de cada Estado. O que não impede evoluções mais próximas do Ocidente, como a do Japão, embora vencido pela experimentação da bomba atómica americana, ou como a China, dando o exemplo da convivência das diferenças de regimes internos no Estado Unitário, a que serve de exemplo o regime diferenciado de Hong Kong recuperado dos ingleses, deixando intocável o Macau que representava a consentida herança, do único país, Portugal, que, segundo escreveu algures Mao Tsé-Tung, era o único Estado ocidental que nunca fizera guerra à China. Enquanto no Oriente a China se destaca sem ter perturbado o livre aparecimento dos chamados “Tigres Asiáticos” – a Coreia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong Kong – nem fenómenos como são a Malásia, a Tailândia, a Indonésia, em contrapartida o Atlantismo tende para ser objeto da separação entre os EUA e a União Europeia, enfraquecendo o conceito de Ocidente. E a Europa assiste a um conflito crescente entre a definição jurídica vigente da União e a meditação tardia de vários eleitorados sobre o passado soberano que a União, respondendo aos factos, limitou, tudo ameaçando transformar a sonhada ocidentalização do mundo num capítulo do agravamento do outono ocidental. Tem obtido um assinalado e merecido êxito o livro de Martin Jacques, em português intitulado Quando a China Mandar no Mundo (Círculo de Leitores), o que inquieta naturalmente os responsáveis pela geopolítica, não apenas militar, dos responsáveis ocidentais. Mas talvez aquilo que, referindo-se ao livro, Eric Hobsbawn chamou “uma profunda reflexão acerca de um mundo do século XXI” deve obrigar à meditação dos pregadores da sonhada ordem mundial ocidental, sobre por que é aqui que os eleitorados estão a fazer crescer a abstenção, que os micronacionalismos parecem abandonar a integridade do sonhado Estado-Nação, que os mal identificados populismos criam pequenas migalhas de partidos, e nasceu o desatino do pluralismo atómico que ameaça a existência do planeta. O poder é indiferente aos vazios, e a imprevisão que faz crescer as inquietações da própria União Europeia, sem poder ignorar as consequências da gestão em vigor dos EUA, tende para substituir a unidade atlântica pela ambição desmesurada de um diretório, cujo conceito não consegue explicitar, mas que não consegue ocultar.