ADRIANO MOREIRA

Hegemonia e a influência

A discussão sobre a influência, por vezes com o nome de soft power, ganhou importância pela problemática identificada pela ciência política do nosso tempo internacional. Mais correntemente fala-se sobretudo do soft power, ao qual deu grande relevância o teor da ação internacional preferida pelo presidente Obama, mas o conceito começa a ganhar uma abrangência maior, que obriga a identificar e definir uma ação preventiva internacional, que resulta infelizmente da frequência com que a própria mundialização da economia provocou acidentes inquietantes que alarmam a gestão dos poderes governamental e judicial. As práticas ilícitas desta também chamada influência são frequentemente ligadas ao público exercício, mesmo legal, da propaganda das novidades das grandes empresas, da luta pela conquista dos mercados captando a aliança do poder político, violando eventualmente a legalidade do procedimento, que esse exige respeito pelo interesse e legalidade públicos. Tem, porém, outra face, também nem sempre pública, que diz respeito às relações políticas internacionais, não com intervenção regular da diplomacia em todas as suas vertentes, mas de maneira secreta, incluindo serviços especializados dos Estados, elegantemente consideradas, quando conhecidas, como versões ou desvios do acolhedor soft power. A atual presidência dos EUA anda rodeada de acusações, que de resto nega, de envolvimento nessa versão, surpreendentemente com o antigo adversário, a agora emergente Rússia. Embora esta, no regime que caiu com o Muro de Berlim, mantivesse uma clara e ativa desconfiança e defesa contra os métodos dessa autonomizada prática, o “conceito de política externa”, afirmado pelo presidente Putin, desde 2013, fez apelo ao “poder doce”, se é assim que pode traduzir-se a sua expressão para soft power. Por isso tem intensificado os meios, de que a extinta URSS afirmava desconfiar serem armas dos adversários militares e políticos estrangeiros contra ela, erguendo Fundações (Russkiy Mir) em defesa e propaganda da língua, organizando portanto centros culturais, ou centros para a cooperação humanitária que tantas áreas do mundo requerem, designadamente contra os ataques da natureza em revolta, e não só pelos defeitos da estrutura social e política, não estando ausente o que toca ao mundo desportivo, no que respeita sobretudo ao recurso para a construção da boa imagem, que hoje é mundial, do Estado, em que essa intervenção avulta neste 2018. A outra potência emergente, que vai subindo na hierarquia das potências, não apenas pela entrada na arena mundial de competição financeira e comercial, mas também militar, é a China, a qual não descura o soft power, que no seu Livro Branco sobre política externa, aparecido em 2007, expressamente afirma adotar o método. É evidente, como nos sublinha o especialista académico Frédéric Ramel, que esta via de ação, cuja importância começou a ser doutrinada por Joseph Nye num ambiente escurecido pela infeliz aventura mal-acabada do Iraque, implica a convicção de que o declínio das grandes potências, já evidente para o seu próprio país, será assim melhor combatido e com resultados mais positivos não pelos meios militares, utilizados com fraca avaliação da realidade da circunstância internacional. Foi o que inspirou Paul Kennedy quando estudou o “Nascimento e declínio das grandes potências” em 1980, quando o conceito de potência estava a ser obrigado pela realidade a mudar de definição, porque já eram evidências que nem o discurso enérgico nem o poder militar eram elementos componentes suficientes para o preencher, tudo exigindo ganhar tempo e espaço com o poder da influência (soft power). O prestígio da intervenção de Nye tem crescido à medida que “a capacidade do fraco” pode infligir desaires à “capacidade militar do forte”, e a importância de meios como os da informação, das fundações, de atração pelos centros de formação e investigação, e assim por diante, atrai as imitações e as solidariedades, e também dos serviços secretos. Países que são exógenos nos campos tradicionais do poder internacional, ou atingidos pela exiguidade quando os recursos são inferiores aos deveres do Estado, têm vantagem em usar e avaliar com sabedoria esta técnica da influência, com legalidade, designadamente quando acontece como no caso de Portugal, em que a língua e a tradição lhe abriram um campo de ação de benefícios largamente partilháveis. Circunstâncias como as que rodearam a deterioração das relações com Angola têm como consequência previsível os efeitos negativos no capital de influência que está implícito na solidariedade da própria CPLP, sem que seja possível avaliar publicamente, até agora, a probabilidade da influência negativa no destino da pregada importância atlântica do triângulo Angola, Brasil, Portugal, sem descurar o que é já evidente na área da cooperação económica, e, se não for sanada a discordância, ter de voltar a admitir alguma experiência dos retornados.