O PERIGO DAS EMERGÊNCIAS
Como a ordem mundial dependeu sempre de uma articulação de poderes políticos que a aceitam, “por agora”, como diria Popper ao ensinar que nenhuma conclusão é definitiva, é isso que traduz provavelmente o sentimento dominante da nossa época. O século passado foi fértil em movimentos de recurso ao “por agora”, mas, além das duas guerras mundiais, os armistícios da paz militar transitória não deixaram de ser agitados pelas emergências económicas mutuamente desafiantes, porque, pela descolonização, se multiplicaram os Estados que adotaram apressados conceitos estratégicos, mais provocadores do que regidos por um pensamento de harmonia universal. Não foi possível encontrar nenhum discípulo de Karl Krause (1781-1832), animado, como inspirado profeta, por um sonho religioso, ou pela convicção maçónica, pela possível instauração de uma Aliança da Humanidade, tendo confiança na intervenção do Estado. No legado do século XX, que domina a cena internacional, por enquanto, embora não faltem os combates militares, são as emergências económicas que multiplicam os conflitos de interesses estaduais, infelizmente parecendo com frequência que o Estado, em vez de regulador, é instrumento de interesses articulados sem limites físicos de fronteiras, nem éticas do mercado. A partir do início, pelos portugueses, do que no nosso tempo se chama o globalismo, a Europa foi crescendo o domínio apoiado nos conhecimentos crescentes, distanciando-se dos novos povos encontrados pela ciência, pela técnica, pela cultura, pela ambição. Alargou-se em termos de se autonomizar o chamado Ocidente, em que os EUA, desde meados do século XIX até, duvidosamente, aos nossos dias, aparecerem como o poder político emergente dominante, a caminho de pôr em vigor o que alguns chamaram uma “economia mundo”. Acontece que, em relação ao poder instalado com domínio, nenhuma emergência concorrente é recebida pacificamente, ou, se a expressão for menos agressiva, sem preocupação. A Alemanha, depois de Bismark, cresceu prodigiosamente na ciência, na cultura, na indústria, que estiveram nas causas das duas guerras mundiais; o Japão, forçado a abrir-se pelo almirante americano Matthew C. Perry, procurou a liberdade emergindo com a utilização do saber ocidental, e a sua intervenção na última guerra mundial foi seguida de efeitos tremendos, incluindo a bomba atómica que o vitimou; os libertados do colonialismo, pela ONU, é a falta de Estado experiente, para poupar adjetivos, que lhe dificulta, mas não impede sempre a emergência, sendo que a ciência e a técnica são hoje fatores mais importantes do que o poder militar. A infelicidade é que o adiantamento dessa ciência e dessa técnica não deixou de fazer crescer a perigosidade dos instrumentos de agressão militar sofisticados, permitindo que o fraco vença o forte, como se demonstrou com as Torres Gémeas, e subitamente nos colocou, neste ano da graça de 2017, na condição de estar nas mãos dos homens, esquecidos da ética de governo, ameaçando destruir a própria terra por posse e abuso da técnica.
É por isso que uma gestão comum do planeta parece a condição exigível para evitar a catástrofe, que está na dependência de mãos conhecidas. Que não conseguiram o reconhecimento da autenticidade quando se declaram comprometidos com a paz. Vivemos em risco, que a ONU, sem o dizer, reconhece, quando, pela quinta vez, chama o bispo de Roma para o ouvir na Assembleia-Geral.