SOLIDARIEDADE ATLÂNTICA
Quando da independência dos EUA, o abade Correia da Serra, um dos futuros fundadores da Academia das Ciências, amigo de Jefferson, o autor da chamada “democracia jefordiana”, escreveu a este uma carta em que vaticinava que ao novo Estado competiria a coordenação do Norte do continente, e que ao Brasil viria a competir a coordenação do Sul. Ainda por então se respirava a imaginação do breve Estado Portugal-Brasil-Algarves, que D. João VI talvez secretamente imaginasse poder reconstituir-se continuando a manter a legitimidade de sucessor do filho Pedro. Infelizmente, o complexo emaranhado dos futuros então não previstos, conduziu à situação atual de altas preocupações causadas pela situação política e social de ambas as mencionadas potências, em termos de o abade ao menos se aproximar do padre António Vieira nos desacertos sobre o futuro. A Norte, a impossibilidade de racionalizar as intenções e práticas do inseguro presidente já semeou suficientes dúvidas sobre a firmeza da solidariedade atlântica, e portanto o difícil prognóstico sobre a solidariedade atlântica que tem nos cemitérios da Normandia um testemunho de crença no futuro que os soldados americanos pretenderam ajudar a construir; no Sul, a falta de credibilidade que alastra no campo dos titulares da soberania, não apenas esvazia um espaço que populismos variados ocupam em cólera, como agrava uma situação que se aproxima aparentemente do desastre que é o corte da relação de confiabilidade com as populações desmunidas de recursos, de otimismo e de governo. A esperança é que as energias, que ainda não despertaram suficientemente, daquele povo por natureza alegre, criativo, acolhedor e resistente, com provas dadas, aos infortúnios, encontrará de novo caminhos de recuperação dos percursos imaginados do abade Correia da Serra. Não faltam exigências e esperanças que dependem do fortalecimento e intervenção dos paradigmas da maneira brasileira de estar no mundo, que confia na sua capacidade profunda de vencer as crises, sem violar os princípios. A segurança do Atlântico Sul exige a sua intervenção; tumultos do Sul do continente exigem a sua referência de capacidade, confiabilidade e exemplo de governança; a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que tem o selo brasileiro na certidão de nascimento, não dispensa o seu vigor, a criatividade, o sentido de futuro, a contribuição para o desenvolvimento sustentado que, no dizer de Paulo VI, é o novo nome da paz. A manutenção da Ordem Internacional, que não pode descurar, precisa da adesão, presença e influência do Brasil. E Portugal, que partilha todos os desafios do globalismo, e sofre os sofrimentos do Brasil, sabe que a autoridade do lusotropicalismo enfraquece gravemente sempre que a circunstância diminui o poder da voz brasileira, especialmente na solidariedade atlântica e ocidental. A crise, por isso, também é nossa, porque entre os países também existe o sentimento da irmandade.