O TRÁFICO DE ARMAS
Este ano de celebração do aniversário do Tratado de Roma, assinado num clima de esperança e determinação sobre a unidade da Europa destroçada pela Segunda Guerra Mundial, mas ainda sem a perceção interiorizada de que deixara de ser “a luz do mundo”, herdou e não fez desaparecer a inquietação sobre a desigualdade, sobretudo do ponto de vista financeiro e económico, quer dentro dos países quer na relação entre áreas de vários países. A desigualdade cresceu mais rapidamente do que o sonhado “mundo único”, e a passada intervenção colonial dos ocidentais não é esquecida, pelo que o conceito idealista de “mundo único” recua perante a transformação que levará de novo, segundo os mais pessimistas, à criação de uma “arena única mundial”. Esta conclusão, ou prevenção amarga, depois da crise financeira de 2008, chamou a atenção, por enquanto insuficiente, de alguns responsáveis de governo e deu celebridade à intervenção de Amartya Sen, inspirador do programa adotado pela ONU intitulado PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), diminuindo a atenção vigilante contra uma nova hierarquização militar, inspiradora de intervenções afastadas do pacifismo dos tratados, política que passa eventualmente pela situação intermédia dos jogos de influência. Parece benévola a interpretação, já proposta, de explicar o terrorismo como uma tentativa de reequilíbrio entre Estados, existentes ou em projeto, utilizando produtos pouco dispendiosos que permitem ao fraco atingir severamente o forte. Os drones ou os ataques cibernéticos são exemplos, e deste modo são como que nobilitados como armas dos pobres. Todavia, a questão mais inquietante é que, segundo a regra de que não se pode nem geralmente deve impedir a circulação do saber, a cólera nascida do passado colonial ocidental, e não amortecida pelo tempo, também se apoderou das armas dos ricos, e mesmo sem contar com o reforço mobilizador de valores religiosos, o certo é que a posse das armas atómicas se multiplicou. Depois da experiência do seu uso contra o Japão, na última Grande Guerra Mundial, não faltaram esforços diplomáticos, invocações de humanismo, conferências, tratados, fiscalizações, tudo baseado na certeza de que a posse da arma induz a vontade do uso, coisa de que, na data da paz, apenas um dos Estados sabia por experiência. Mais uma vez os factos deixaram de prestar atenção aos tratados e às boas intenções, e chegamos à celebração do Tratado de Roma nessa situação de perigo, cuja definição inclui o perigo atómico, tão longamente discutido, mas que mais uma vez surpreendeu os responsáveis que tinham sido dotados de informação segura. Teve por isso a maior oportunidade a intervenção do Papa Francisco, nesta Páscoa, quando em Roma, cujo Tratado está a ser celebrado pelos europeus, pediu aos “responsáveis das Nações” que tenham a coragem de evitar a expansão dos conflitos e de parar o “tráfico de armas”. Não deixou de lembrar as várias regiões onde lavram conflitos, pondo em evidência a África, libertada do colonialismo mas não da destruidora guerra que, do Cabo ao Cairo, mantém milhares de crianças em abusivo combate. Infelizmente, este Ocidente, que parece num trajeto outonal, não apenas, tomando em conta as palavras da responsável pela Segurança e Defesa Autónoma da União, tem necessidades militares sem evidência de posse de recursos, como dos EUA a mensagem mais clara que envia a sua presidência é – América primeiro –, uma retomada fácil proposição, que facilmente pode ser traduzida em várias línguas, em lugares onde o poder atómico está instalado, e com vozes pelo menos mais claras do que as atlânticas em relação à finalidade do sacrifício do desenvolvimento sustentado, em favor da capacidade militar. Infelizmente, e também por isso, as desigualdades económicas, internas ou internacionais, as memórias de um passado não esquecido, a antiga experiência de ter governo próprio e a prodigiosa capacidade de expansão do complexo militar industrial, de que Eisenhower um dia se queixou, somam-se. Daqui a urgência de traduzir em todas as línguas o pedido aos responsáveis das Nações para evitar a expansão dos conflitos e de parar o “tráfico de armas”.