O MUNDO ÚNICO
O tempo dos Estados imperiais deu-se por passado em duas datas, ambas relacionadas com a guerra. A primeira teve expressão no estatuto da Sociedade das Nações, na qual, por influência de Willson, cada nação devia ser um Estado: desapareceram assim os impérios Alemão, Austro-Húngaro, Russo e Turco, embora a política atual demonstre que a memória, por vezes ativa, não desapareceu. A segunda teve expressão na Carta da ONU, também no fim de uma guerra, com o princípio da descolonização, que fez desaparecer o império euromundista, cujas parcelas pertenciam à Holanda, à Bélgica, à Inglaterra, à França e a Portugal, de novo com influência decisiva dos EUA, que não assinaram o estatuto da Sociedade das Nações, nem tinham colónias no chamado “terceiro mundo”, mas tinham conhecidos projetos de influência, designadamente em Angola, apenas como exemplo. Depois de um período em que vigorou, até à queda do Muro de Berlim, uma “Ordem dos Pactos Militares”, que diminuiu a projeção da ONU, foi simplificada a diversidade chamada das “Três Europas” – a democrática, a autoritária, a soviética – com a disputa ideológica de futuro fixada na adoção da primeira como modelo. Subitamente a ainda imperfeita ordem mundial, porque o modelo democrático descolonizador discute com os Estados extrativos que dominam o modelo que foi colonial, parecendo que a crise económica e financeira quer fazer regressar o modelo a outras latitudes, e a potência considerada líder dos princípios do Mundo Único e da Terra Casa Comum dos Homens, decidiu proclamar como princípio orientador “A América antes de tudo”, sem cuidar dos corolários deste anúncio de regresso às velhas convicções da soberania absoluta. Por isso, não é apenas a ainda imperfeita ordem mundial, que foi a utopia da ONU, que está abalada: perturbação ou inquietação dos governos, e o que para nós é preocupação mais íntima, a União Europeia tem finalmente de aceitar que tem “circunstância”, e não apenas o problema das décimas. Talvez uma meditação americana sobre a formação do seu domínio territorial e sobre a sua condição de líder dos valores ocidentais, a partir da Declaração de Direitos, que celebriza o nome de Jefferson, esclareça a nova administração de que a evolução não fez esquecer a violência sobre os Iroqueses, os quais deixaram um documento inapagável, acrescentando os métodos variáveis de alargamento, por exemplo, desde a guerra contra a Espanha até à guerra no Iraque, para admitir que a sua longa liderança dos povos ocidentais e da ordem mundial não foi reconhecida a benefício de inventário, mas sim pela emergência do credo dos valores da chamada Casa no Alto da Colina. É por isso que o pouco claro discurso da nova Presidência, com a premissa do Interesse Americano acima de tudo, sem corolários da premissa confrontados com a sua contribuição para o credo dos valores, corolários que provocam uma inquietação mundial, que embaraçam a imperfeita ordem mundial em construção, coloca em suspenso as premissas do Mundo Único, isto é, em paz, e “a Terra casa comum dos homens”, isto é, garantir a paz pelo desenvolvimento sustentado. O esclarecimento é sobretudo urgente, porque a paz nunca foi sustentada por um “tempo de vésperas”, que para a degradação dos valores é sempre passageiro. Até a liderança de uma potência que se pretende ser a mais poderosa do mundo, tem vantagem em saber que só a águia voa sozinha.