A propósito da recorrente ideia de se fixar um valor percentual no orçamento do Estado indexado ao Produto Interno Bruto (PIB) valerá a pena aduzir algumas reflexões. A combinação dos dados disponíveis sobre a utilização dos recursos em saúde conduz-nos à obtenção de indicadores de eficiência e, consequentemente, à capacidade de reconhecimento sobre qual o valor gerado em função do investimento realizado. Ou seja, é possível conhecer quais as medidas de política cujo impacto se revela mais efetivo e definir um plano para o seu desenvolvimento. No que se refere à despesa pública em saúde, é fundamental ter presente que nem sempre as dinâmicas de crescimento da despesa, em percentagem do PIB, indiciam melhorias qualitativas nos sistemas de saúde. Por exemplo, as taxas de penetração da “inovação” terapêutica e tecnológica, num dado país, pouco nos dizem sobre a adequação da utilização dos recursos. Vale a pena lembrar que num trabalho realizado pela FDA (Food and Drug Administration) no final da década de 80 foi demonstrado, a partir de um conjunto de 348 novos medicamentos, que apenas 3% apresentaram contribuições importantes em relação aos tratamentos já existentes. Alguns anos mais tarde, no Canadá, entre 1990 e 2003 (Patented Medicine Prices Review Board), de um total de 1147 medicamentos registados apenas 5,9% foram considerados inovadores. De uma forma geral, a incerteza gerada pela dinâmica do crescimento da despesa associada aos constrangimentos orçamentais tem conduzido, muitas vezes, à introdução de medidas administrativas, de natureza conjuntural, de efeitos imediatos mas de sustentabilidade incerta no longo prazo. Com efeito, grande parte destas medidas (preços de referência, regulamentação de margens, substituição por genéricos, normas de orientação da prescrição, protocolos terapêuticos, informação de retorno aos prescritores, orçamentos compreensivos, entre outras) poderão não garantir, por si só, a contenção duradoura do crescimento da despesa com os medicamentos. Sem prejuízo da patente necessidade de reequilíbrio e reforço do orçamento da saúde face ao excessivo desinvestimento gerado pelos cortes transversais dos últimos anos, convém ter presente que, do ponto de vista estratégico, será muito mais importante afetar verbas a programas e a planos específicos que concretizem estratégias inteligentes de ganhos em saúde e de melhoria da qualidade dos cuidados do que, pura e simplesmente, partir do princípio de que as questões do acesso e da qualidade do sistema de saúde se resolvem com uma simples alteração do mecanismo de indexação orçamental. Uma coisa é interpretar o sistema de saúde e o Serviço Nacional de Saúde através de um prisma exclusivamente orçamental; outra, bem mais importante e duradoura, é definir e aplicar uma política global de saúde sustentada e orientada para os resultados em saúde. Esta última parece, de facto, a abordagem que nos dá maiores garantias no médio prazo.