A CRISE E O SISTEMA DE SAÚDE
Nos últimos meses o país experimentou um inesperado turbilhão de mudanças. A submissão aos duros termos do memorando de entendimento, vulgarmente conhecido como MoU, no âmbito do programa de ajustamento económico e financeiro, transformou profundamente as nossas vidas. O sistema de saúde não ficou imune à vaga avassaladora de cortes e de contenção que percorreu, de uma forma geral, todos os setores de atividade. Passado o tempo da perplexidade, os portugueses começam a interiorizar os efeitos de uma dura realidade que forçou a uma mudança tão brutal quanto inesperada. A dimensão protetora do Estado vai-se tornando cada vez mais confinada, gerando incerteza e insegurança quanto à sua sustentabilidade futura. Muitos se interrogam se o rigor dos sacrifícios não poderá comprometer a desejável recuperação. Esta questão surge com igual pertinência no setor da saúde. Afinal o que teria acontecido ao sistema de saúde se não tivéssemos subscrito o MoU? É difícil estabelecer cenários sobre o que teria acontecido num contexto de extrema restrição orçamental. Há, no entanto, uma certeza – o MoU funcionou como um poderoso indutor à implementação de um conjunto de medidas há muito propaladas e discutidasmas, recorrentemente, adiadas por falta de condições políticas para a sua aplicação. Nunca como hoje a predisposição para aceitar a mudança foi tão evidente. A crise orçamental teve a vantagem de contribuir para uma nova atitude no setor da saúde, mais baseada na transparência, no rigor e na necessidade imperativa do escrutínio público à utilização dos recursos. É certo que as medidas tomadas não terão igual impacto, nem os seus efeitos virão a ser, sempre, os mais desejados. Do lado das certezas podemos destacar as medidas que visam melhorar o rigor e a transparência. Um bom exemplo tem sido a política do medicamento, aproximando mais as condições de mercado da realidade económica e social do país. Subsistem, porém, algumas dúvidas. A experiência internacional tem revelado que nem sempre as reformas estruturais mais duradouras dependem apenas de um impulso restritivo. Neste contexto, a título de exemplo, a persistência de milhares de cidadãos sem médico de família ou a aplicação de taxas moderadoras desajustadas, nos cuidados de saúde primários, face à natureza da relação entre a oferta e a procura, podem vir a comprometer a eficácia das medidas no médio prazo.