ADALBERTO CAMPOS FERNANDES

ACFDESCENTRALIZAÇÃO EM SAÚDE

A questão da descentralização, na área da Saúde, dos níveis central e regional para o poder local voltou a ser notícia a propósito da anunciada intenção do Governo de promover a transferência de competências em diversos domínios. Independentemente dos juízos estritamente políticos que se possam produzir sobre esta matéria, valerá ter em conta algumas reflexões no plano técnico e operacional, procurando antecipar, tanto quanto possível, as implicações para os cidadãos numa perspetiva de ganhos potenciais associados a essa progressiva transferência de responsabilidades. É reconhecido que a administração local tende a gerar maior efetividade na gestão dos recursos, sendo indiscutível o efeito benéfico da proximidade às comunidades locais, favorecedor de um maior alinhamento entre a ação política e os interesses e as necessidades concretas das pessoas. Na verdade, existe um amplo consenso sobre as vantagens dos modelos descentralizados com elevados graus de autonomia não apenas em Portugal (Unidades de Saúde Familiar – USF) como também a nível internacional, sendo vasto o reconhecimento dos seus efeitos. Ao nível dos cuidados de saúde primários, a conjugação entre descentralização administrativa e técnica constitui um poderoso instrumento de eficiência, melhoria da acessibilidade e da qualidade dos cuidados, em particular nos aspetos que beneficiam diretamente dos efeitos de proximidade, como por exemplo os cuidados de saúde personalizados, a continuidade de cuidados, a reabilitação precoce, a mobilidade e o transporte de doentes, bem como a indispensável articulação com outras instituições que intervêm nos diversos campos da proteção social. No entanto, para que o processo de descentralização e de desconcentração possa ser bem-sucedido, é fundamental garantir um processo de contratualização estruturado, capaz de gerar compromissos claros face às metas e aos objetivos fixados num quadro de transparência e de exigente monitorização e escrutínio público. Estamos, seguramente, perante um processo de mudança complexo que requer tempo de preparação e de maturidade na experiência. Em circunstâncias normais, um maior nível de autonomia conduzirá a um maior grau de envolvimento e de motivação por parte dos profissionais. No caso específico dos cuidados de saúde primários é indispensável que este processo possa contribuir para consolidar os eixos fundamentais da reforma iniciada em 2007, garantindo, desse modo, coesão e estabilidade estratégica nas políticas públicas através de uma orientação para o médio e longo prazo. Apenas dessa forma se acrescentará valor ao processo político e dele se poderão retirar as maiores vantagens do processo de descentralização no setor da Saúde.