ADALBERTO CAMPOS FERNANDES

ACFREFORMAR OU REINVENTAR

O setor da Saúde será, provavelmente, aquele onde mais vezes se vê referida a palavra “reforma”. Nos mais diferentes domínios, desde a reforma do sistema de financiamento à reforma das urgências e dos hospitais, passando pela reforma dos modelos de organização. Existe, claramente, uma profunda convicção, nos diferentes atores institucionais e socioprofissionais, face à necessidade de transformação e de mudança no setor da Saúde. A ideia repetida de reforma significa também que existe um largo consenso relativamente ao ponto de partida e à evolução global do sistema, fundamentalmente, desde a criação, em 1979, do Serviço Nacional de Saúde. Não é por acaso que este é o único sistema público que concita apreciação positiva, generalizada, nos diferentes quadrantes sociais e políticos. Mas estarão os diferentes agentes a falar da mesma coisa quando, em abstrato, defendem por exemplo o Serviço Nacional de Saúde? A visão sobre o papel do Estado nas suas responsabilidades e deveres, o papel dos profissionais e dos cidadãos e os respetivos direitos de acesso suscitarão essa mesma unanimidade? Certamente que não. Esta falta de clareza, particularmente reconhecida nos agentes políticos, tem sido prejudicial para a necessária mudança e regeneração do sistema de saúde. Entre o conservadorismo avesso à inovação dos processos e das práticas, caracterizado por uma visão “paternalista “ do sistema, e a prática de uma política de omissão, de desinteresse e de desinvestimento, destruidora dos seus fundamentos essenciais, perpassam abordagens muito diversas que desmistificam este paradoxal unanimismo. É necessária e útil uma clarificação de propósitos. A discussão sobre o papel do Estado na saúde e, em concreto, a definição clara de uma ideia política sobre o Serviço Nacional de Saúde representam um importante sinal sobre a ideia global de Estado, assumindo um papel de precedência crítica sobre qualquer tipo de reforma do próprio Estado. As modificações de contexto provocadas pela crise económica e financeira, as alterações estruturais na sociedade, nomeadamente o aumento da pobreza e da exclusão social, bem como a acentuada tendência de quebra de rendimento, tornam necessária uma abordagem diferente das políticas sociais e, neste enquadramento, das políticas de saúde. O Serviço Nacional de Saúde tem de ser reinventado não apenas numa ótica de proteção aos cidadãos, face às suas necessidades de saúde, mas também como um instrumento de apoio ao desenvolvimento do país e da economia através de políticas ativas dirigidas aos grupos populacionais vulneráveis – crianças e idosos –, suportadas numa abordagem integrada do cidadão e das famílias, em particular na questão da doença crónica, da integração de cuidados e do apoio baseado na proximidade dos cuidados. A reforma do sistema de saúde é importante e indispensável, mas, em muitos casos, do que verdadeiramente se trata é de reinventar os processos e as práticas, retirando o melhor partido possível na utilização dos recursos disponíveis.