O sucesso das políticas públicas, em saúde, é apontado recorrentemente como um dos bons exemplos do que nos trouxe a Democracia no seu, já longo, legado de quase 40 anos. Com efeito, as políticas de saúde representam um espaço privilegiado de realização da justiça social e de diminuição das desigualdades. Em certa medida, podemos considerar que na saúde reside o constructo da realização dos direitos que a Democracia nos prometeu como utopia de um Estado ao serviço das pessoas e do bem comum. Nos últimos 40 anos, Portugal acompanhou o mundo no desenvolvimento de uma medicina moderna, dividida entre a pura racionalidade, ligada ao conhecimento e à evidência científica, e uma crescente dependência da inovação farmacológica e tecnológica. A inovação transformou, por completo, o papel dos sistemas de saúde no contexto social, económico e político. Embora tenha tornado cada vez mais incerta a ideia de sustentabilidade dos sistemas de saúde, a inovação fez muito pela medicina e pela saúde das pessoas. Com efeito, foram notáveis os avanços no domínio da genética e da biomedicina, tal como na emergência de áreas de elevada sofisticação tecnológica de que são exemplo a nanotecnologia e a fármaco-genómica. Através da inovação de qualidade, disruptiva, foi possível reduzir, de forma muito significativa, os riscos associados às doenças cardiovasculares e às doenças do metabolismo, com particular destaque para a diabetes. A infeção pelo VIH-SIDA viu modificada a sua evolução natural com impacto sobre o prognóstico vital de milhões de pessoas infetadas. Foi, ainda, possível encontrar respostas terapêuticas para doenças de reduzida expressão epidemiológica mas de elevado risco individual. O caminho percorrido deixa um lastro impressionante de desenvolvimento, traduzido numa melhoria, muito sensível, dos indicadores de saúde e da qualidade de vida, em concreto, das pessoas. Talvez por isso, em tempo de adversidade económica, os sentimentos se exprimam, de forma mais intensa, perante uma ameaça de perda de direitos relacionados com o acesso a cuidados de saúde de qualidade. Num tempo marcado por grandes dificuldades, conciliar Democracia e Direitos com equilíbrio orçamental assume uma complexidade inexpugnável. Vivemos um paradoxo delimitado pela crescente consciencialização dos cidadãos relativamente aos direitos de acesso, e à incapacidade progressiva do Estado em os conseguir realizar. No setor da Saúde, a palavra ajustamento terá de encontrar respaldo numa nova geração de políticas públicas onde a inovação possa ser sinónimo de qualidade, rigor e efetividade, conciliando custo com valor. Tal desiderato implicará uma ampla mobilização de vontades, de saberes e de competências capazes de regenerar a relação dos cidadãos com os serviços que os servem e os protegem. O sistema de saúde reúne todas as condições para fazer convergir os princípios de equidade, de transparência e de responsabilidade social. A necessidade de garantir o acesso e a universalidade dos cuidados deve estimular uma abordagem virada para o médio e o longo prazo, que possa encontrar inspiração na “Estratégia Europa 2020” através do incentivo a um “crescimento inteligente, inclusivo e sustentável”.