ADALBERTO CAMPOS FERNANDES

O SISTEMA DE SAÚDE E A COMBINAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO

 

Em Portugal, o sistema de saúde português tem funcionado num quadro de complementaridade entre um setor público preponderante e um setor privado e social cujo papel se tem vindo a reforçar tanto no contexto das prestações convencionadas como no registo da prestação independente. O setor convencionado representa uma importante parcela da despesa em saúde – cerca de 800 milhões de euros repartidos por cerca de 1600 entidades. Cerca de 87% da despesa total com convenções corresponde a meios complementares de diagnóstico e de terapêutica. Este setor tem a sua atividade distribuída por diferentes áreas – análises clínicas, imagiologia, medicina física e de reabilitação, hemodiálise e outros meios complementares de diagnóstico e de terapêutica, nas diferentes especialidades médicas, respondendo por mais de 60% dos exames realizados no âmbito das análises clínicas e da imagiologia, ultrapassando os 90% na hemodiálise. A criação, em 2004, do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) veio, igualmente, reforçar o papel das convenções no âmbito da resposta aos doentes em lista de espera para cirurgia, permitindo que sempre que um hospital público não tenha capacidade para garantir a realização da cirurgia, no tempo adequado, seja emitido um vale-cirurgia que o doente poderá utilizar numa unidade privada convencionada. Ao nível privado, nos últimos anos, tem vindo a ser detetada uma tendência para uma maior concentração empresarial com a consolidação de três grupos de maior dimensão. Para além das unidades prestadoras de direito privado, estes grupos alargaram a sua intervenção no âmbito da rede pública, do Serviço Nacional de Saúde, através das parcerias público-privadas. De um programa, inicialmente, previsto de 10 unidades hospitalares, em regime de parceria público-privada, que representaria cerca de 26% dos encargos totais com a rede hospitalar pública, ficou-se pela concretização de quatro projetos que incluem os hospitais de Cascais, Braga, Loures e Vila Franca de Xira, num total aproximado de 1300 camas. Os contratos preveem uma duração de 30 anos para a construção, infraestruturas e equipamentos, e de 10 anos para a gestão da atividade clínica. O sistema de saúde tornou-se cada vez mais complexo, dando lugar a uma falta de clareza na delimitação entre os diferentes setores e, consequentemente, dos respetivos papéis e responsabilidades. Face à evolução registada nos últimos anos, estamos hoje confrontados com uma maior competição pelo financiamento entre o setor público e o setor privado, a que se associa uma crescente opacidade na complexa interligação entre prestadores e financiadores públicos e privados. Neste contexto, urge que a regulação no setor da saúde desempenhe um papel cada vez mais rigoroso e exigente, impondo aos diferentes atores critérios equivalentes de qualidade e de controlo da idoneidade técnica e de conduta, bem como de um transparente escrutínio na utilização de recursos sempre que estiverem em causa o serviço e o interesse público.Vale a pena ter em conta que a concorrência, isoladamente, pode ser insuficiente para servir os interesses dos cidadãos. A introdução de regras de mercado deve, por isso, acautelar não apenas a sustentabilidade económica, mas sobretudo os direitos de acesso num quadro de universalidade e de equidade, bem como de boas práticas profissionais e corporativas.