Em plena fase final da aprovação do Orçamento do Estado para 2014, fomos confrontados com a publicação do relatório da OCDE sobre a área da Saúde – “Health at a Glance 2013”. No essencial, o relatório vem confirmar os dados já conhecidos sobre a evolução global do sistema de saúde e da relação deste com as necessidades dos cidadãos. Reportando-se, em grande parte, a um período que antecedeu a assinatura do memorando de entendimento com as entidades internacionais, o relatório refere, entre 2010 e 2011, um significativo agravamento da despesa direta das famílias portuguesas. Um dos aspetos mais relevantes relativos a esse período refere que, na média dos 34 países analisados, as despesas com saúde se reduziram em cerca de 1,2%, enquanto em Portugal a despesa direta das famílias portuguesas aumentou cerca de 3%. Neste contexto, Portugal foi mesmo um dos países, no quadro da OCDE, que mais agravou este desequilíbrio num processo de contração da despesa pública, em saúde, que se iniciou em 2010. Estes dados parecem assim confirmar uma preocupante tendência de agravamento das barreiras económicas no acesso aos cuidados de saúde. Esta circunstância torna-se ainda mais relevante por ser coincidente com a degradação das condições económicas das famílias e, consequentemente, do seu rendimento disponível. Acresce que a grande maioria dos cortes, na despesa pública, estão a ser obtidos através de medidas de política do medicamento e da redução dos salários dos profissionais de saúde, através de um forte abrandamento do investimento em programas de prevenção e de saúde pública, bem como no congelamento da expansão de duas importantes redes – cuidados de saúde primários e cuidados continuados integrados. O agravamento do desequilíbrio entre financiamento público, realizado através da coleta fiscal, e a despesa direta das famílias representa um preocupante retrocesso no modelo de proteção em saúde definido com a criação do Serviço Nacional de Saúde em 1979. Com efeito, um dos principais objetivos de um modelo com estas características reside na sua capacidade de mutualização dos riscos, em saúde, promovendo a cobertura geral e universal e defendendo os cidadãos por igual, independentemente das suas condições de partida. A tendência sinalizada neste relatório, que poderá ser completada com muita evidência disponível a partir de diferentes tipos de observação, terá como consequências inevitáveis um acesso cada vez mais desigual a cuidados de saúde, em tempo e em qualidade adequados. É fundamental que esta tendência seja invertida, para que aqueles que são alguns dos aspetos mais positivos referidos pela OCDE relativamente a Portugal – a taxa de mortalidade infantil, a esperança média de vida –, e que representam a expressão de um trabalho persistente e continuado das últimas décadas, não vejam diminuída a importância social e humana dos seus efeitos.