ADALBERTO CAMPOS FERNANDES

REPENSAR O SISTEMA DE SAÚDE

A crise agudizou a discussão sobre o papel do Estado na sociedade, os seus limites, os imperativos éticos a que está obrigado, a qualidade das escolhas políticas, bem como a natureza dos deveres a que todos estamos obrigados, enquanto cidadãos. Nesta discussão sobressai, com particular relevância, a questão sobre qual deverá ser o papel do Estado na promoção e proteção da saúde, tendo em conta a responsabilidade primária de reduzir desigualdades entre cidadãos de condição económica e social diferente. É neste contexto que deveremos colocar a discussão sobre o papel do Estado no sistema de saúde. Com efeito, a modificação das condições sociais e económicas, a mobilidade social, os problemas relativos ao emprego e ao crescimento da economia, a tendência para a concentração urbana e a emergência de novas formas de expressão da pobreza têm contribuído para o agravamento dos problemas de saúde, particularmente aqueles que estão relacionados com os estilos de vida. Ao mesmo tempo o peso das doenças crónicas (doenças cardiovasculares, doenças vasculares cerebrais, doenças mentais, cancro, diabetes, etc.) tem vindo a condicionar a tipologia de respostas, impondo uma rápida adaptação dos sistemas de saúde para um tipo de organização mais fundada na capilaridade, na proximidade e no trabalho em rede, envolvendo o tecido social e comunitário no desempenho global do sistema de saúde. A saúde representa um bem específico de elevado valor social. As questões que se colocam hoje, aos sistemas de saúde, são muito complexas. Esta complexidade requer um novo tipo de abordagem, de caráter multidisciplinar, que tenha em conta os contextos locais para além das questões de natureza política, social e económica. A integração de cuidados é fundamental para que o cidadão possa ser a centralidade do sistema. É desejável introduzir no discurso político e social uma nova visão sobre o papel do sistema de saúde no desenvolvimento das pessoas e do próprio país. Esta nova forma de pensar a saúde, no contexto global das políticas públicas, deverá partir da ideia de que a componente investimento se sobrepõe, na maior parte das vezes, à componente de despesa não reprodutiva quando abordamos o setor da saúde.Para além dos aspetos estritamente económicos relacionados com a cadeia de valor, em saúde, é necessário recentrar a análise da despesa pública, em saúde, com um enfoque no médio e no longo prazo. A história recente, da evolução dos países com melhor desempenho económico na Europa, revela a importância da evolução dos indicadores sociais e de saúde para o bem-estar global das sociedades. É neste sentido que para construir uma sociedade moderna, orientada para o desenvolvimento e para a justiça social, não se pode deixar de considerar como prioritária a execução de políticas que tenham como alvo a diminuição das desigualdades no acesso aos cuidados de saúde.